quinta-feira, 7 de maio de 2009

 

ÁLVARO

Recordo-o como aos meus (outros) amigos de infância. Estava sempre lá, pelos jardins do colégio, onde fui uma criança feliz. O Álvaro tinha mais dois metros do que nós (parecia-nos), mas a alma dele era a de um menino. Ultrapassava-nos em ingenuidade e candura. Lembro-me bem de falarmos com ele a rir e que ele ria connosco. Não era do grupo dos grandes. Era do nosso. Por isso, no outro dia quando o voltei a ver, não estranhei que não tivesse envelhecido. Continua jovem o Álvaro, talvez porque a sua alma seja verdadeiramente pura. Estou certa de que o é e daí o transparecer. A beleza interior que o preenche está-lhe estampada na cara. Um ser belo. Tão belo quanto as flores das quais cuidava e cuida ainda, desconfio (levava utensílios de jardinagem na mão), com desvelo. Atenção, eu não posso ter a certeza do que digo, mas pressinto-o de cada vez que me cruzo com ele. Não é humano o Álvaro. Sempre só e sempre o sorriso pendurado no rosto, enquanto caminha (aparentemente) sem destino. Vagueia no meio de nós sem que o alcancemos, inspirando-me uma ternura imensa. Quando o vejo apetece-me abraçá-lo e dizer-lhe: "Lembras-te de mim Álvaro? Eu lembro-me de ti." Mas ele não me reconheceria, porque a sua realidade é outra, quero crer. Nunca o encontrei com má cara. Passa sempre leve, com o sorriso a transpirar bondade e ausência de qualquer amargura. Sempre sorrindo, como se hoje fosse o ontem e o amanhã. Como se não houvesse isso do tempo. O Álvaro é do tempo em que eu era uma menina. Mas eu envelheci e enchi-me das coisas pesadas que a vida traz e que me ficaram gravadas na cara e ele não. Ele permanece incólume ao avanço implacável do tempo . Sim, terá cabelos brancos a raiar-lhe a melena, mas isso não passa de um insignificante pormenor, porque a alma dele é ainda a de quando era criança. Partilhará ele a vida com alguém? Terá ele sofrido? Terá chorado alguém? Será pai? Filho ainda? Neto? Será tio? Irmão? Cunhado? AMIGO? Parece-me uma pessoa profundamente só, daquelas que nos inspiram um encolher de ombros e um rápido "Coitado." e ainda assim, ele de bem com a vida. Ele indiferente aos (nossos) padrões de felicidade, às (nossas) manias, às (nossas) exigências, às (nossas) falhas, à (nossa) crueldade, à (nossa) intolerância. Ele vivendo cada dia de forma serena, ignorando (talvez sem querer) a fealdade do mundo e de que as pessoas são capazes. O Álvaro? É um anjo. É isso.

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