domingo, 31 de outubro de 2010

 

INSANIDADE VOU-ME EMBORA


INCREDULIDADE

O que é que estás a fazer?

Devias passar o resto da vida a rogar por perdão. O que te sobra da existência a tentar reconquistar-me. Ainda que te maltrate.

Como podes desistir de mim?

Ânimo (tão) leve. Voz satisfeita, ligeireza no tom. Essa barriga que cresce, a face composta. Traço nenhum de sofrimento.

O que é que estás a fazer?

Porque não dedicas os anos porvir penitenciando-te pela vileza das acções praticadas? Lançaste-mas com frieza certeira, subtil, para que me derrubassem com dor. Querias que soubesse de cada detalhe da queda.

Jamais o entendi de imediato. Eram veneno lento que se me entranhava no sangue. Quando me apercebia do sucedido havia morrido de novo. Circulação gelada. Coração parado.

Pede-me desculpa.

(Exijo-to.)

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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

 
Ontem fui ao lançamento de SÔBOLOS RIOS QUE VÃO.

Eis que me debato com a folha de papel. Não em branco. Antes garatujada de tópicos para vos contar o máximo do que retive ontem pelas 19h da tarde. Sei que quem não pôde comparecer gostaria de ter estado presente. Espero trazer-vos um pouco do que lá se viveu.

“Sôbolos rios que vão.”

Vai doer-me este livro. Vivi de perto a agonia, fez um ano há pouco. (Ontem ainda.) Tenho-o aqui ao lado enquanto vos escrevo, certa que quando o abrir me quedarei refém. Adiante.

O Museu da Água, local escolhido para o evento, quero crer não inocentemente, dada a alusão ao elemento de que o título se compõe, é um espaço de particular beleza, ideal para acolher o lançamento destas palavras do António. Encontrava-se repleto das gentes que o estudam, o admiram e lêem. Também dos seus pares. Tenho ido espreitá-lo em diversas ocasiões e é sempre comovedor o silêncio que se instala quando entra numa sala que o espera. É um momento solene. O respeito que sentimos pelo gigante da escrita a mandar-nos calar, que não tarda o escutaremos.

“Não sei se me ouvem. Falo baixo.” – A frase tão dele, que já conheço de cor e que a cada vez proferida me enternece. Não me canso deste homem. Estava conversador. Uma delícia. Contou-nos mais de si e dos seus.

Do tio Elói (Escreve-se assim? Terei ouvido correctamente?), filho de uma senhora importante de Pombal, a quem ele e os irmãos chamavam avó Bi. (Era Bi? Ou Pi? Não sei.) Mulher de porte imponente, chapeuzinho com véu e diabética, o que ainda garoto se lhe afigurou como nobre característica. Que maravilha este pedaço da sua história. Este não ter pudor em contar-nos das dietas desta avó, análogas às dos padres, que se coibiam de comer, mas não de ir com as mãos pelos calções dos meninos acima. Avó Bi (Pi?) que se alegrava pela deferência com que o merceeiro a tratava enquanto lhe acrescentava dígitos à conta. Disse que se sentia assim com a apresentação do Professor José Gil. Como se “por ser para ele” lhe tivessem dado mais do que merece. Justíssimas palavras, sabemo-lo. Destaco-a igualmente. O tempo certo para dizer o principal, com palavras ao alcance de todos. Nada de linguagens herméticas. Menos é irrefutavelmente mais.

Continuámos a ouvi-lo enquanto se nos entregava.

Aos oito anos já escrevia. Nessa tenra idade interrogava-se sobre si, a sua vida, o sentido de tudo. É-nos, de facto, caro, encontrar um sentido. Que admiração nutro por ele, se tão cedo na existência sabia, com as entranhas, aquilo para que havia nascido. O quanto se aprende a ouvi-lo. Ele que escreve porque quer ser capaz de dizer “o que se perdeu”. Como aquela aurora da praia das maçãs que deixou escapar, sem conseguir captar no papel. A imensa distância entre a emoção e o que fica nos manuscritos e que só o trabalho reduz. Tudo palavras dele. Poder-vos-ia falar dos outros exemplos, como as suspensões triplas de Paganini, todavia, de todos esses, a tal aurora da praia das maçãs foi a que mais me tocou e levou a entender o que me (nos) queria dizer. Revisitou o tema da obra e das personagens que sobrevivem ao autor.

Deteve-se, como sempre, nas citações, nas referências aos autores que lhe são mais queridos. “Hoje estou cheio de citações”, gracejou.

Hoje António? São parte do seu encanto as frases desses nomes que nos habituamos a ouvir-lhe. Sim, embirro com citações. Já se sabe como são os humanos. Facciosos. A uns nada perdoamos. A outros… Nele estimo essas constantes alusões. Fala em Horácio e aponto. “A ler.” Menciona Dickens e acrescento à lista “A ler.”. Tchekhov? Em atraso. Ler. Diz que deixamos de gostar de Rilke quando crescemos e interrogo-me: Terei permanecido criança meu Deus? E a falta de tempo que o angustia por não saber quantos mais livros negociará com a morte, a mim apavora, porque tenho certo que não terei tempo para apanhar tudo quanto me falta aprender. Ao ouvi-lo disponho de selecção daquilo que não posso ignorar.

Perto do fim a mensagem condoída. Em Portugal a cultura ainda se encontra imersa em intolerável indiferença. É essa que define a importância de um país e ele, embora orgulhoso em ser Português, revolta-se com tamanho marasmo. Não se releva a cultura. Promove-se o mediatismo em detrimento do talento, do trabalho. O superficial supera a densidade. A perspectiva de um qualquer jovem autor, de qualidade, editar um primeiro livro é, praticamente, nula. Assim anda a literatura. Editam-se demasiados livros, sem tempo para respirarem. Muitos desprovidos de fôlego, duram menos do que uma estação. Não é isso um bom livro. Um bom livro não se pode ler num dia. (Palavras dele, isto tudo. Com ele aprendo a roubar o que me pode servir a escrita.) Um bom livro é parecido connosco e apodera-se de nós, como nos apoderamos dele. Com um bom livro conversamos, num diálogo ininterrupto, que começa depois de o acabarmos e ler de peito aberto é a única maneira de o fazer.

Não houve lugar a autógrafos. Anda cansado. O próximo livro tem-lhe colocado grandes desafios. Doze horas diárias de trabalho em volta de uma menina de cinco anos que fala por três vozes. Não se tratou de lamento. Não lhe podemos adivinhar o esforço quando o lermos. Se tal acontecesse significaria que havia falhado. (Impossível, claro está.) Para autógrafos teremos o El Corte Inglês e a FNAC do Chiado, em breve. Talvez dê lá um salto. Não por causa do autógrafo que é provável que não lho venha a pedir, antes para o ouvir outra vez.

Agradeceu à editora, Maria da Piedade, tomar tão bem conta dele. Ao Professor, a apresentação. Aos restantes a presença.

Quanto a mim temo este romance. V(L)erei Senhor Azevedo, muitas vezes, nas suas páginas. Desconheço para quando a coragem para falar com ele.

"Como se houvesse morte e não há."

Partilhei convosco o que apreendi, na esperança de vos fazer sentir que afinal puderam comparecer. Perdoem se a minha percepção adulterou a realidade.

Um abraço.


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A TRAMA REABRE HOJE... AGOOOOORA!

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O medo faz-nos sempre calar qualquer coisa. A vaidade leva-nos a modificar outras. Esforçamo-nos por acentuar as diferenças. O desejo de nos distinguirmos uns dos outros levou-nos a acentuar defeitos e particularidades. Mas há uma cadeia que rodopia à nossa volta, que rodopia num círculo azul de aço.

Virginia Woolf - As Ondas - Página 110 - Ed. Relógio d'Água)

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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

 
A força do meu desespero nada pode...

Se o desespero do meu choro
tivesse algum poder,
estavas de novo ao pé de mim.

Se todas as minhas lágrimas
se juntassem com a força de um rio,
estarias aqui a olhar para mim.

Se a dor da tua ausência
ecoasse em gritos ensurdecedores,
voltarias para casa agora.

Se a tristeza do meu olhar
pudesse falar,
dir-te-ia que és preciso aqui.

Mas, como o meu desespero,
as minhas lágrimas,
a minha dor e a minha tristeza,
nada podem contra a morte...

...Continuas aí no céu,
anjo meu.


13 de Fevereiro de 2003
Andreia Azevedo Moreira
(Ao Buddy)

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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

 

Vai de maneiras que me chegou à mão (esquerda) e fiz-lhe um "prafrente"

(forward em estrangeiro)

Carta de um(a) leitor(a) anónimo(a) ao António:

Querido António,

Há uns dias fui ver o filme do Desassossego do João Botelho, baseado no livro com o mesmo nome, do heterónimo pessoano Bernardo Soares. Antes de qualquer interpretação do que visionei, sobreveio a angústia que fui alimentando à medida que a película se desenrolava defronte.

De que serve a Fernando Pessoa o reconhecimento actual do seu génio?

Eis a pergunta que ainda me martela no pensamento. Que (lhe) importa que o admirem, se, à data, a existência tamanho padecimento? No seu tempo, poucos o reconheciam deveras. Aprendi-o numa aula de Primavera dedicada à Literatura. Atormentava-o a negligência a que se encontrava votado e simultaneamente, assegurar que o trabalho que lhe constituíra toda a vida permanecesse. Não sentia que a posteridade estivesse garantida e queria-a. Merecia-a. Morreu sem o constatar. Perdoe o exemplo que, bem sei, o aborrece. Era o que tinha à mão para principiar esta missiva.

Criticamos amiúde que os talentosos não sejam reconhecidos quando ainda respiram. Abominamos que sejam tecidas homenagens e atribuídos prémios a título póstumo e o António tão estimado obstinando-se com um porvir onde não morará, a não ser nos livros que escreveu?

Atesto-o do que li na entrevista que concedeu à Ana Soromenho e ao José Mário Silva (Revista Única - #1981, Pág. 43-50); do que diz esta semana na Visão (#920, Pág. 16 e 17), na sua “Conversa em família”; e de quando o ouço atentamente em cada vez que consigo ir espreitá-lo em carne e osso. Compreendo a preocupação. É justíssimo que a Obra permaneça indelével. A sua feita nossa “casa de palavras”, qual legado para a Humanidade. Não duvido que assim será. Tem noção que já se inscreveu na eternidade, - Está melhor que Pessoa, já viu? – apesar de os exemplos dos “esquecidos” serem inúmeros. O lugar na história da Literatura ninguém lho tira. Falemos, então, do presente.

Hoje é lido. Aclamado. Actualmente ainda lhe bate um coração no peito, que pode pulsar célere de desmedida alegria ou abrandar de tristeza. Hoje o pensamento ainda se lhe situa no crânio, permitindo-lhe a ternura e tem o privilégio de se sentir realizado com o que é. Sabe melhor do que eu (Já viveu (n)um limite.) que só possuímos a fracção de tempo a que chamamos “agora”. Portanto discordo de si quando diz “esta segunda morte, a daquilo que dedicaram a vida, é bem mais horrível que a primeira.” Quem de entre todas as pessoas que AGORA o podem ler estará cá nesse dia tão remoto? Ninguém. Onde andará a sua alma para se escurecer com essa hipotética morte da criação? Não sabemos o que há para lá deste corpo que nos acolhe o espírito. Somos, igualmente, incapazes de assegurar por quanto tempo existirá este planeta, ao ritmo a que o destruímos. Sendo assim, António, creio que só podemos falar, com propriedade, do “já”.

Neste segundo em que lhe escrevo asseguro-lhe o que está ao meu alcance, enquanto elementar criatura:

Ainda conheço mal os cantos à sua (nossa) “casa de palavras”. Chegou-me às mãos, como todos os momentos inolvidáveis, por um acaso. Uma oportunidade concedida e que repetirei, voluntariamente, desse dia até ao meu fim. Às vozes pressentidas aprendo a conhecê-las e fá-las-ei minhas, conforme é um seu desejo que acato como se meu. Tenho certo que serei feliz em qualquer assoalhada que erija. Sou uma partícula de pó nesse universo incomensurável de pessoas que o apreciam, o estudam e lhe devotam a atenção que é sua por direito. Rogo-lhe que não se apoquente com o que ninguém contemporâneo viverá para assistir. (Quase ingratidão fazê-lo.)

Cito Marguerite Duras:

(Eu que até embirro com isso de as pessoas se validarem citando terceiros, como se o que dizemos nunca possua a robustez bastante para que nos ouçam. É necessário citar outrem, de preferência um morto ilustre...)

Era preciso prevenir as pessoas destas coisas. Ensinar-lhes que a imortalidade é mortal, que ela pode morrer, que já aconteceu, que ainda acontece. Que não se anuncia enquanto tal, nunca, que é a duplicidade absoluta. Que não existe no pormenor, mas apenas no princípio. Que certas pessoas podem dela transportar a presença na condição de ignorarem que o fazem. (…) Que é enquanto ela se vive que a vida é imortal, enquanto está em vida.(O Amante – Pág.89)

HOJE os seus livros são imortais. Para si, para mim, para os académicos, para os críticos, até para os que nunca o leram. Imperecíveis.

O futuro não é seu António.
Não é nosso.

O “Amanhã” não existe.

Um forte abraço de um(a) seu(sua) leitor(a).

PUBLICAÇÃO ORIGINAL AQUI.

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domingo, 24 de outubro de 2010

 

INSANIDADE VOU-ME EMBORA,

A situação tornou-se-me de tal forma insuportável que parti, mãe. Deixei-te. Não pretendias libertar-te. Que fazer senão salvar-me? Ausentaste-te também. Acordarás algum dia desse sono de olhos abertos? Não me perdoo por esse adeus que se me afigura definitivo. Quando olhas atravessas-me. Não me conheces. Disse-te: “Até breve. Volto quando imune a tudo isto.” Fui cobarde? Conversámos amiúde. Tentei inúmeras vezes mostrar-te que há sempre escapatória. Não essa que encontraste. Esse alheamento agressor que te levou a alma, deixando cá somente uma casca, que visito pelo amor que te tenho, sabendo, todavia, que não és quem aí vejo. Uma saída. Várias saídas. - Não a que escavaste. – Pontos de partida que de ti emanassem apartando-te das perversões dele. Foram muitos anos sob a sua influência nefasta. A tua mente estava treinada. Também a minha se revela, ainda e vezes demais, amestrada. Prisioneira de acções que me instigam reflexos. Quando capaz de os identificar elimino-os à partida. Esmago-os decidida, qual murro impiedoso numa mesa. Tu não. Sucumbiste à insegurança, ao medo, à suspeição. Assisti ao teu definhar às prestações e soube que o meu abraço terno jamais seria o bastante para aplacar a tua dor, o(s) teu(s) receio(s). – Impotência. – Vi-te o desespero estampado no rosto e percebi que o meu sorriso e a minha alegria eram insuficientes para abafar o som descompassado do teu coração de presa acossada. – Inaptidão. – Reparei na súplica que se te desenhou nos lábios, agarrei-te rude pelos ombros e obriguei-te a ouvir: “Enfrenta. Luta. Vive.” O desgaste venceu. Desolada testemunhei-te o fim. A liberdade, mãe, só de ti dependia e nunca o quiseste encarar. Desisti quando me fartei de ser escudo. Quis muitas vezes acumular provas palpáveis com que o pudesse acusar… Ter-te-ia auxiliado? – (Im)possibilidade.

Hoje que me não podes ouvir estas palavras grito ao mundo - Tarde demais. - para que todos tomem conhecimento:

Acredito em ti.

Descansa então, mãe, se precisas. De quanto tempo carecias até te quereres desenlear? Quantos mais dias devia ter aguardado? Quando acordas? Vejo-te mas não estás, é um facto. (Devastador.) Os olhos sem luz não me fitam, contudo, ferem quando me trespassam em cada visita. Visito-te ao invés de te habitar.

A culpa (não) é minha.

A culpa (não) é tua.

A culpa (não) foi dele?


CULPA: palavra amarga, cortante, opressora. Estou refém desse vocábulo maldito.

Encontramo-nos num julgamento, Almeida?

Constato-me (por ora) distante do veredicto.


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Filmes que reforçam a minha gana de viver: MINE VAGANTI

Este filme é M A R A V I L H O S O. (Não vivo, decerto, no mesmo planeta deste senhor.) Repleto de pormenores deliciosos. Cheio de(a) vida, de ternura, de Amor. Dos que mais me aqueceu nos últimos tempos. A pessoa sai da sala e pensa: Que bom isto pá. Que bom!

Excertos de memória que perdurarão do mesmo:

(Eventualmente adulterados pela percepção desta menina que vos fala, pelo que, as aspas são apenas indicativas do que ou(vi) e não uma transcrição perfeita.)

"Não tenhas medo de largar. O que é realmente importante jamais te largará."

"O que eu quero é escrever. Vou para o trabalho e passo o dia com a mão na massa (la pasta) e empenho-me no que faço, no que esperam de mim. Nada sinto. Em casa, quando vocês se recolhem, sabem o que faço? Escrevo. E é aí que vivo. É assim que sei ser. Quando me confrontam sobre algo, quando me questionam, a vontade que tenho é de vos pedir licença e ir para a sala ao lado escrever a resposta, porque é como me sei expressar. É a minha maneira de dizer alguma coisa ao mundo, porque não sei falar. Escrevi um livro e a editora para a qual o enviei recusou-mo e eu vou escrever outro. E outro. E outro. E se passarem a vida inteira negando-me, escreverei só para mim. Não me importa. Porque é assim que sou. Sou assim. Vai ser assim."

"Se passares a vida a fazer o que os outros querem não vale a pena vivê-la."

"- Fizeste bem em dizer-lhes. Erra sempre à tua conta.
- É assim que fazem os senhores avó?
- Não. É assim que fazem os que querem ser felizes."

Apontamento frívolo: Aquele Ricardo Scamarcio e aquela Nicole Grimaudo caíram do céu? Que lindos, os dois, por deus... E não estão "solos" que aquilo é tudo uma gente muito bonita. Chiça penico.

Apontamento imperativo:
Mas que raio ainda estão aqui a fazer? Corram ao Saldanha Residence ou outro. Ide ver isto já hoje!

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sexta-feira, 22 de outubro de 2010

 

AUSÊNCIA

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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Ninguém ama um cobarde e isto só significa que enquanto se ama não se consegue ver no outro a cobardia.

Gonçalo M. Tavares em "Um homem: Klaus Klump" - Página 29.

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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

 

PISSED OFF (comó caraças)

Eis o que vou perder por ser nesse tal sítio (blergh):

1) INTERPOL

2) JAMES

Informo os queridinhos organizadeiros de concertos no meu Portugal, que caso pensem, nem que seja por um relance de triste pensamento sequer, trazer cá os meus Pearl Jam a esse local, esta queridinha que vos fala tratará de lhes enviar por todos os meios ao seu alcance (e atenção que com twitters, facebooks, espaço de comentários na página oficial etc. e tal, tudo é passível de lhes chegar) imagens/vídeos/relatos da barbárie que lá ocorre de tempos a tempos. Ora, sendo eles defensores da natureza e dos animais, creio que não quererão pisar tão feio terreno.

Aos que se interrogam o que farei se por acaso eles me ignorarem e vierem à mesma ao dito local (blergh) creiam que morrerei um bocadinho por perdê-los pela primeira vez, mas ficarei, efectivamente, em casa, dê-se o caso referido.

E é isto.

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terça-feira, 19 de outubro de 2010

 

IMPERDÍVEL:

O DIA dos PRODÍGIOS
de Lídia Jorge.

Sala Principal - M/16
23 Set a 14 Nov

Quarta a Sábado às 21h00
Domingo às 16h00

Adaptação para teatro e Encenação
Cucha Carvalheiro




Cenário
Ana Vaz
Desenho de luz
João Paulo Xavier
Figurinos
Maria Gonzaga
Apoio ao movimento
Madalena Victorino
Direcção Musical
Carlos Mendes
Assessoria Artística
Graça P. Correa

Com:
Carlos Paulo, Cristina Cavalinhos, Diogo Morgado, Elisa Lisboa, Filomena Cautela, Hugo Franco, José Martins, Lucinda Loureiro, Luís Lucas, Maria Emília Correia, Maria Ana Filipe, Rogério Vieira, Teresa Faria e as crianças António Teixeira e Duarte Teixeira

Co-produção Fundação INATEL Teatro da Trindade Comuna - Teatro de Pesquisa

"Ninguém se liberta de nada se não quiser libertar-se."

(Dica: não se metam nisto ao Domingo. Nunca vi público tão endiabrado como o da faixa etária 69-96. Eles conversavam alto como se na Brasileira, deixavam o telefone tocar incessantemente, queixavam-se do fumo na encenação, referiam alto e em bom-som onde e onde é que "aquela actriz entrava"... Enfim, um forrobodó.)

(Também fui a
ESTE, todavia, não me inflamou. Já não podeis assistir porque terminou a 17/10/2010. Se regressar ide, à mesma, que sou apologista - sempre que posso - do "mais vale arrepender-me de O fazer que do contrário".)

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domingo, 17 de outubro de 2010

 

INSANIDADE VOU-ME EMBORA



Dizia:

Almas gémeas.

Cedeu depois dele. Creio que não existe quem se mate tão-só por padecer de desgosto amoroso. Esses suicídios servem-se do poderoso álibi para encobrir outras desistências. Todavia identifico, perfeitamente, o momento em que a Clara deixou de saborear a existência. (Depois dele, lá está.) A “minha alma gémea” como, em tom de brincadeira, o referia. Tinha-se estabelecido entre os dois, no imediato instante em que se conheceram, uma química inexplicável. Dizia-me de semblante carregado e dramática como só ela: Reconhecê-lo-ia de costas. Bastava que me puxasse o cabelo como se o quisera para si, para lhe reconhecer no toque a minha essência… ou qualquer coisa lamecho-poética deste género. Clamava que o amava platonicamente, como ao mar, sem poder consumar aquele sentimento. Sem vivê-lo abertamente e desprovida de qualquer hipótese de se desiludir com aquele homem, porque não chegou a principiar o que quer que fosse. O Luís era casado. Oh Clara… Minha doce e ingénua amiga, como pudeste, sequer, supor que ele se te poderia, algum dia, assemelhar. Intensa. Verdadeira. Como imaginaste que ele abriria mão da segurança do que lhe é sobejamente conhecido para estar contigo, uma incógnita promessa? Seria teu amante sem pejo. Passaria contigo as horas conseguidas. Dedicar-se-ia ao vosso bem-querer clandestino, mas jamais o revelaria ao mundo como concebias ser uma possibilidade. À data tentei trazer-te à razão, não foi? Alertei-te: Olha que o mundo dos pragmáticos não se compadece dos teus sonhos, ou do que para ti é intuitivo.

Não me deste troco. Nunca me ouviste. Na tua gritante demanda pela "sinceridade" obrigaste-o a dizer-te: “não”.

Coagiste-o a optar.

Ele?

Fez-te a vontade.

(…) Quando o vento me bater na cara,
saberei ser o mesmo que lhe acaricia as feições e
será como se os nossos rostos quentes se tocassem. (…)



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PARABÉNS MINHA GRANDE AMIGA Carla Nogueira aka McKenzie no droids

Gosto de ti até que a morte nos separe. Se isto não é um casamento é o quê?

Um dia feliz boa amiga.

Que saudades de estar contigo no campo a perguntar se podia dormir entre as parcelas e tu a cantares pela 359ª vez esta música:



(Não para me embalar, antes para passar o tempo que "quem canta seus males espanta" e trabalhar com 40ºC à sombra não era pêra doce.)

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sábado, 16 de outubro de 2010

 

ANIVERSÁRIO(S)

Vagueio na memória pela casa que na infância foi amiúde minha. A quietude e o silêncio actuais agridem-me porque os sinto definitivos.

A penumbra com que se buscava tão-só o fresco, nos dias mais quentes, é hoje a afirmação do que não torna. Do que (se) foi (para sempre).

Abate-se sobre mim inexorável a saudade desses instantes. Tolhe-me o ânimo essa carência da(s) certeza(s) de vocês em mim. E de quem sou (era) aí convosco. Em cada Verão, feita vossa, dia-a-dia e outra vez.

Ao cheiro da árvore do vosso jardim, inebriante nas noites abafadas e que nos chegava às narinas enquanto apreciávamos a brisa nocturna no alpendre, recordo-o enternecida numa semelhante, aquando do regresso diário da estação. Cortaram-na há muitos anos porque era enjoativo. Que falta sinto dessas noites com esse cheiro adocicado. Da árvore e de vocês todos nos respectivos lugares. Não nos deviam mover dos sítios para que fomos feitos. Fomos feitos uns para os outros. Apesar das falhas. Graças às virtudes. Tínhamos (temos) todos um lugar na vida de cada um dos restantes.

(O quanto uma essência nos faz viajar...)

Às escadas em que nos sentávamos rindo, sem nada aguardar, talvez não torne. Porque hoje se lá me sentasse, esperaria por vós, incansável, dorida, saudosa do tanto que são cá dentro e já não podem ser lá fora.

A todos quantos crescemos nesses metros quadrados dói essa casa tão vazia. O silêncio e a quietude a espancar-nos e nós a fingirmos que não magoa tanta pancada, tamanho vácuo. Essas perdas imensas.

Há que continuar.

A vida empurra-nos.

Não cessamos, todavia, de espreitar para trás. Sabemos que não se apagam (jamais) as pessoas nossas. Ainda que o presente se reduza a um olhar remoto, uma vaga centelha da desmedida força de outrora e a uma ausência irremediável. Ainda assim.

Mutamo-nos, adaptamo-nos, existimos. Não destruiremos, contudo, as fundações. Sólidas? Periclitantes? Pouco importa. Alicerces. História. Memória. Amor.

Vagueio na obscuridade, no silêncio e na quietude definitivos do que não volta a ser e, se atenta, ouço ainda gargalhadas, ralhetes, gritos, manias, conversas, mágoas, perdões. Ouço-nos reunidos. Instantâneos do tempo. Vejo-nos. Foi ontem. (Não foi?) Não vos parece que foi tudo há um dia?

Talvez tenham decorrido somente 24 horas.

Intuo-o na gata listada, macia, perseverante no quotidiano do dia anterior ao de hoje. Já sem gente, sem risos, nem choros. Apenas a casa. Desabitada. E ela enchendo teimosa as escadas do alpendre, o corredor empedrado que dá para a garagem, deitando-se pelo relvado lá atrás.

Impassível colmatando-nos o abismo, não nos consentindo esquecer(-vos).


Um abraço à minha família.

CA, PA, MA e um especial pelo dia de hoje para ti JFAZ.

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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

 
Explicar-te que para lá de tudo estava a vida e isso é que era tudo.

Que é que tinhas de querer outra coisa acima dela?

Vergílio Ferreira em "Até ao fim" - página 249

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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

 

Bem trabalhadinho dava um sketch (todavia sou uma calona do caraças)

Há um novo drama a assolar os lares do mundo inteiro.

A AFECTUOSIDADE DOMÉSTICA.

Nélio (nome fictício) deixa-nos com o seu relato pungente de uma vida pejada de afecto e ternura, com a qual começa a ter dificuldade em lidar, ponderando, até, inscrever-se no casting dos ídolos para ser maltratado e olvidar tamanho amor.

Quem o sujeita às carícias é Lídia a mulher da sua vida. Conheceram-se com 22 anos e têm sido décadas de cumplicidade, insuportavelmente boas.

Nélio já não aguenta tanta felicidade. E nós, vendo de fora o seu drama, compreendemos.

- Como é que se pode viver assim Nélio?

(Voz distorcida. Meia de vidro na cabeça. Um ramo de flores na mão.)

- É muito duro sabe? Há dias em que penso que a minha pele vai estalar de tanto prazer e interrogo-me se sobrevivo a esta paixão. É que não cessa de existir percebe? É horrendo. Uma pessoa quer começar a odiar a outra, ser como os restantes, que ao fim de uns anos não se podem ver. Quer poder gritar, humilhar, maltratar e não consegue. É só este amor a crescer, a crescer. Já não sei o que fazer para me sentir normal.

- E ela Nélio?

- É um encanto. Chego a casa e é sempre um abraço demorado, um "Como é que foi o teu dia?", ou um beijo intenso. Chega a estar toda nua à minha espera louca de desejo.

- E o Nélio? O que é que faz?

- O que hei-de fazer se me faltam as forças para combater esta tragédia? Retribuo. Amo-a como nunca amarei outrem. Entrego-me. O pior é quando ela diz "AMO-TE", com aqueles olhos doces e verdadeiros. Isso é o pior...

(Nélio interrompe o discurso para se recompor. Tem os olhos marejados e a voz embargada.)

(O entrevistador sente dificuldades em manter a objectividade, dada a magnitude do drama com que se depara.)

- A Lídia faz-lhe festas?

(Tocamos num ponto sensível e Nélio hesita em responder. Damos-lhe o tempo que necessita para ganhar coragem e admitir o que se passa com ele.)

- Faz.

(Responde tão-só, no limite da vergonha. Corado até à cintura de constrangimento.)

- Porque não procura ajuda Nélio? Há instituições que o podem auxiliar a resolver esse problema. Nessas encontra pessoas ressabiadas, amargas, invejosas, aldrabonas, altamente qualificadas para lhe acabar com essa alegria toda na vida conjugal. Tem é de lhes dar uma oportunidade. Tem de permitir que eles o ajudem a afundar-se. Acha que consegue?

- Não sei. Nunca tinha desabafado sobre este assunto. Estarão dispostos a ajudar-me sendo tão fraco? Permito-me amar e ser amado. Sabe o que isso é? É uma violência. E ninguém vê, porque é tudo cá dentro que se passa. Quem acreditará em mim. Quem vislumbrará a afectuosidade toda que me submerge?

- Amigo basta que ouça os outros. Consinta que o envenenem com as suas histórias de fracasso e frustrações. Permita que o encham de desconfiança e cepticismo. Deixe-se contaminar pela maldade com que proferem azedas palavras. É isso ou o amor a vida toda. Saiba que tem, de facto, escolha.

- Tenho de pensar. Chego a casa, ela cheia de ternura, vacilo. Acredito que vou ser feliz até à morte.

- Isso é pena dura demais para quem quer que seja suportar. O Nélio não merece isso. Convença-se disso. Pense para si: "Eu não mereço isto." Vai ver que aos poucos aprende a perceber-lhe os defeitos. Vai ver que qualquer dia não suporta a forma como lhe sorri, cuida de si, o deixa ser inteiro. Chegará o momento decisivo em que se rebelará contra toda essa harmonia. Nunca é tarde Nélio. Nunca. Acredite.

- Está a dar-me muita força sabe? Realmente a voz da Lídia é qualquer coisa de muito irritante. Quando chegar a casa vou dizer-lhe. Assim mesmo: "A tua voz irrita-me."

- Está a ver? Começa a ver uma luz ao fundo do túnel não é?

- É. Já consigo ponderar que ainda há uma hipótese de vir a ser profundamente desgraçado.

- E como é que isso o faz sentir?

- Aliviado.

- Aliviados estamos nós, Nélio, porque conseguimos resolver a sua situação. Não se atreva a voltar para trás. Um passo de cada vez em direcção à normalidade. "Eu não mereço isto." Não se esqueça!

- Não esqueço, não. Muito obrigado, sim?

(Nélio chegando a casa.)

(Lídia com um jantar à luz das velas preparado e os miúdos deitados nas suas caminhas, com o sorriso de quem vive um conto de fadas estampado no rosto.)

- Quero o divórcio.

- Porquê meu querido?

- Porque eles dizem que é suposto. Que não somos normais.

- E nós? A nossa história? O nosso... Amor?

- Nós não merecemos isto Lídia. E além disso a tua voz irrita-me.

- Ai é? E isto são horas de chegar por acaso? Onde é que estiveste? Com quem? A fazer o quê?

- O que é que tens a ver com isso? Passas a vida sentada ao computador a escrever merdas e não te cobro, ou cobro?

- Olha merdas são as tuas meias espalhadas no chão e as lulas recheadas que tanto gostas que me borram as mãos todas e não ficam nada de jeito. Pede à mãezinha para tas fazer.

- Não venhas com a minha mãezinha para aqui, que se queres falar de mãezinhas podemos falar da tua que passa a vida a meter-se na nossa vida e tu feita mona não nos defendes.

(Prosseguiram durante horas com as acusações e... Foram infelizes para sempre.)

Gostamos tanto quando somos capazes de resolver os problemas dos cidadãos.

Escreva-nos para: seestabemcontacte-nosquelhetransformamosavidanuminferno@gmail.com

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terça-feira, 12 de outubro de 2010

 

MENTE VICIADA (como os dados)

Ler: "Poetry and Tiles" (ali para a Rua do Alecrim).

Pensar: WTF? Poesia e azulejos?

Passados os 3 segundos de paragem cabelo castanho-clarinho costumeira dá-se "A" epifania.

Ah! Pottery!

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domingo, 10 de outubro de 2010

 

INSANIDADE VOU-ME EMBORA

Voltaram atrás para me ajudar, naquele dia. Não era necessário. Perceber que não haviam sido indiferentes fora o real auxílio. Depois de terem passado, levantei-me com outro ânimo e apesar de não ter destino, o meu andar era então decidido e optimista. Com a ajuda de Deus certamente chegaria a algum lado. Não sei se ainda acredito n’Ele. Creio ainda, ou foi tão-só o hábito de O referir? Tempo houve em que rezava todas as noites. Desconheço se por devoção, ou desespero. Apercebo-me que nunca mais o fizera. Aconteceu. Dei por mim uma noite e já nada pedia antes de adormecer. Nada esperava. Já não conversava com Ele. Perdi-O?

Cruzei-me pelo caminho para nenhures com um cão. É preto de pêlo luzidio e sedoso. Orelhas encaracoladas e um ar maroto enganador que impossibilita determinar-lhe a idade. Os olhos e a vivacidade indicar-me-iam estar perante um cachorro. A postura de grande autonomia e cautela denotam maturidade canina, típica de idade mais avançada. Muito estranho este cão. Assim que me viu já não me largou. De início mantinha-se distante. Parava e retomava a marcha ao meu ritmo, encarando-me inquiridor. A primeira vez que lhe dei uma festa limitou-se a encostar a cabeça à minha perna, manteve-a baixa, como quem me queria assegurar: “Venho por bem.” Falo com ele e parece entender-me. Intriga-me a grande pelada no lado esquerdo, junto ao pescoço, revelando uma cicatriz. Diria que foi operado e, no entanto, nenhuma coleira. Desorientado não está, não se me afigura que busque outrem. A sua companhia tem sido um alento. Baptizei-o “Companheiro”. A simplicidade do nome escolhido fez-me rir com gosto. Eis que uma dificuldade que não posso ignorar me invade o pensamento. Se era complicado arranjar onde ficar, quando sozinho, o que será agora, com um cão à retaguarda? Não pretendo ser sem-abrigo como os que vi em muitas reportagens na televisão. Naquela noite aconteceu. Fui desapossado com um cão. Temos, modéstia à parte, bom aspecto, pelo que as pessoas que passavam por nós não denotavam qualquer receio. Há que convir, porém, que o cenário de um homem ainda novo, com uma mala de viagem com rodinhas e um cão sem coleira, vagueando em plena madrugada Lisboeta se afigurava, no mínimo, caricato. Não me importei. Na terra era o Nuno “maluco” o que me incomodava muito. Fazia-me sofrer. Aqui, ser anónimo confere-me segurança e imunidade à maldade alheia. Porque me quereriam atingir se me não conhecem?

Passámos a noite ao relento. Escolhi um jardim recatado. Retirei uma mantinha pequena da mala que coloquei no chão junto a uma estátua, recostei-me e sem que lhe desse qualquer indicação o Companheiro saltou-me para o colo, apoiando a cabeça no meu peito. Senti-me tão aconchegado que rapidamente adormeci e julgo que ele também. Há algo de protector neste canídeo. Terá ficado alerta toda a noite? Acredito que me velou o sono e ao acordar senti-me amparado como há muito não sucedia. Miraculosamente - Permaneço ignorando se ainda acredito Nele. - o dia seguinte revelou-se afortunado. Pela manhã, enquanto tomo o pequeno-almoço na pastelaria Suíça – um chocolate quente retemperador e uma torrada fumegante escorrendo manteiga. – descubro num jornal de distribuição gratuita um anúncio em que procuram um caseiro para um palacete no Guincho. Alguém que se responsabilize pela manutenção do jardim e zele pela segurança da casa durante as viagens dos proprietários. Saí da pastelaria e dei dois croquetes ao Companheiro que aguardava pacientemente do lado de fora. Dei-lhe água e arrepiámos caminho. Toda a vida quisera conhecer a Suíça, graças ao senhor Jacinto, amigo da minha mãe, que de cada vez que regressava desta cidade falava maravilhas do estabelecimento. Também referia, invariavelmente, os travesseiros de Sintra, onde hei-de ir. Parece que não é longe do Guincho para onde me dirijo e permanecerei se tudo me correr bem. No meu desnorte, enquanto abandonava aquela terra maldosa, guardei essas conversas. Poderia ter rumado a Sintra. Há aleatoriedade em qualquer escolha. No fundo, podia ter ido para qualquer lado. Não pertenço agora que a mãe se foi. Que seja Guincho, pois então. Não se tratou de necessidade o ter passado a noite ao relento. Não sou tolo a ponto de partir sem quaisquer recursos. A minha mãe tinha algum dinheiro guardado, o qual sabia onde estava. Jamais ousei mexer-lhe enquanto foi viva. Era dela, ganho arduamente em trabalhos demasiado pesados para a idade. Porém, comigo desempregado e sem perspectivas de deixar de o ser, o sacrifício dela era vital para que sobrevivêssemos. Não sou mandrião, sempre gostei de trabalhar mas não tenho tento na língua e constituía incómodo. Cheguei a ter namoradas – Gostava tanto da Margarida… - mas os pais tratavam de as proibir de se aproximar. Nenhum amigo também. Daí à total alienação foi um passo. Habituei-me à solidão. A mãe era o meu mundo, quando morreu nada mais me prendia àquele desterro. Assim trouxe o dinheiro amealhado. Na primeira noite longe, o relento foi escolha consciente e ponderada. Despojado de tudo quanto fora outrora conhecido, prometi-me uma vida nova. A presença do Companheiro reforçou o que sentia:

“Vou conseguir.”


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sábado, 9 de outubro de 2010

 

Agendazinha cultural

Ide ver esta peça. (Destaco de seguida o que mais me impressionou.)

Albano Jerónimo és um grande actor. (Aferir in loco.)

Quem tratou da cenografia é um génio (Catarina Amaro). Aquilo está muito e muito lindo. Nota 20 mas é.

Ora, não saí de lá "Aaaaaaaaaaaahhh", nem fui acometida daqueles impulsos de largar a correr pela sala, subir ao palco e dar-lhes beijinhos e abraços apertados, mas gostei bastante e vai de maneiras que RECOMENDO.

Está em cena até 31 de Outubro.

(Dica: À 5ªF é só 5 aérios)

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sexta-feira, 8 de outubro de 2010

 
Gostar é possivelmente a melhor forma de ter.

Ter é provavelmente a pior forma de gostar.

José Saramago

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quinta-feira, 7 de outubro de 2010

 

Querida Raquel:

Posso enfim felicitar-te com propriedade.

PARABÉNS pela tua Casa-comboio! Nos tempos que correm dá-me alento ver que ainda se atribuem prémios de forma justa (e a pessoas terra-a-terra como eu gosto).

Faço votos que a tua vida de escrita seja tão longa quanto a tua existência e que encontres sempre forma de te realizares nesse percurso.

Um grande beijinho.

Falo da tua Casa-comboio - AQUI.

Ó arautos da contenção sentimental quando se fala em literatura, fica aqui a nota que a "Casa-comboio" termina não apenas com reticências, como também com ponto de exclamação.

Uma frase seguida da outra.

E... Recebeu o prémio revelação Agustina-Bessa Luís!

(Se eu podia ter evitado isto? Podia.)

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terça-feira, 5 de outubro de 2010

 

BUDDY

Hoje seriam 17. Já foste há quase tanto tempo quanto o tempo que passámos juntos. Estás tão presente, ainda. (Vais estar sempre, sei disso.)

Há dois dias fui ver um filme e esse foi toda a saudade que te tenho. Era a dor de te ter perdido e a alegria imensa em te recordar inteiro. Perto. Único. Verdadeiro. Vibrante.

Pedir-te foi o acto de egoísmo da menina mimada que não entendia o que estava prestes a fazer-te. Querias companhia. Nós que nos queixamos tanto da solidão, impomos aos animais a(s) mais dura(s) pena(s). Incontáveis horas esperando por nós, ainda assim agradecidos. Meigos. Amorosos.

É óbvio que não te queria mal. Queria apenas um ser para amar e que me amasse. E assim te tive. Quando os meus pais cederam aos rogos da filha melancólica. Havia dois na ninhada que me diziam "sou eu". Um ganiu. O outro (tu) adormeceu-me no colo. Como no filme, (não) resta (qu)a(lquer) dúvida se te encontrei, se me escolheste e os 9 anos que pude viver-te foram o mais puro amor que até então experienciei.

Contarei ao T. histórias de ti. Como ocultar-lhe esta tão grande parte de mim?

Era uma vez um cãozinho maroto que se pelava por um petisco, quando o via mordia os lábios lateralmente, entortava a cabeça e punha um ar alucinado. Ríamos muito com o focinho dele e faziamos-lhe a vontade enquanto ele abanava o rabinho satisfeito. Muitas vezes ao passear fazia-se surdo para fazer o que bem entendia. Era um cão com personalidade forte. Muito reguila. A Deia chamava-lhe meu puto e olhar para ele, de tão bom, às vezes, até doía. Corria atrás de pedras como quem persegue obstinado um sonho. Saltos e saltinhos por entre a erva altaneira. Era destemido no mar mas não gostava nem um bocadinho da banheira. Gostava de esparguete cru e sabonete, dos restos de carapau, de pão sem nada, de lamber os frascos de iogurte, de arroz de miúdos e ração normal. Era um cão de boca santa e as 19h eram impreterivelmente a hora da janta. Este cãozinho preto tinha muito para nos dar e era o melhor companheiro que qualquer menino ou menina poderia desejar. Deia cresceu com ele e com ele muito aprendeu. Amou-o incondicionalmente e nunca, nunca, nunca o esqueceu. Mesmo não o podendo ver por muitos, muitos anos, enquanto Deia viveu, recordou a sua foquinha e o amor desmedido pelo seu piturrinho jamais esmoreceu.

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domingo, 3 de outubro de 2010

 

INSANIDADE VOU-ME EMBORA,

Este é o diário da morte de um amor, que acreditava ser indelével.

Há muito que se impõe o luto, por alguém que há muito me partiu. A alma veste-se-me de negro. Como o tempo lá fora. As lágrimas incapazes de brotar são torrentes. Para dentro. Onde: Desgosto. Descrédito. Desilusão. Não consigo mais. Não consigo mais! Seria tarde para o Desculpa sentido, ainda que o quisesses proferir. E não queres. Jamais o tencionaste. Estendi-te um destes dias a mão. Olhaste-a, desdenhaste-a e colocaste-me na mão um punhal como quem me quis dizer: Rasga o teu peito e arranca-me daí à punhalada, porque não sei ser diferente. Nunca serei diferente. E eu? Não guardo qualquer esperança. Nem um fiapo de fé em ti, para pela enésima vez - a enésima oportunidade agressora e cruel. - voltar a tentar trazer-te até mim. Adeus.

(…)

Sigo para o trabalho mergulhada na sensação de ser observada. Alguém me segue de olhar metálico. Sinto-o. Leio livros com que me abstraio por momentos. Não há, todavia, gare que pise na qual não recue ao aproximar da pesada máquina. O terror do abismo. Da mão que não pressinta que me empurre. Agora que aprendi a viver, recuso-me a morrer antes de tempo. Tomei a minha vida nas minhas mãos. – É-me vital a repetição da posse: Minha vida. Minhas mãos. Não tornarei a esquecê-lo. – É por isso que me iludo sobre o poder que tenho para decidir o momento de morrer. Não será já. Não antes de saciar a sede que sinto pela existência. Tanto almejei, outrora, a extinção, que me atemoriza ser presenteada com o cumprir presente de súplicas antigas. Assombram-me os instantes em que vislumbrava como única saída o derradeiro culminar do que sou. Queria acabar comigo. Delineara como o fazer. De forma trágica e desesperada como a devastadora solidão que me abraçava. Alegre e pantomineira com os outros. Rodeada de gente, contudo, visceralmente só. Explicá-lo? Não tenho como. Não sei, sequer, se era meu o sentimento, se deles. Diante dos meus olhos uma realidade. (Incontornável.) Este não é um caderno sobre a tua maldade. Antes a narrativa do meu lado da história. Como a apreendi. Esta é, tão-só, a minha verdade. O que me (des)construiu, transfigurou no que sou e no que faço (fiz) com tudo o que me acontece (aconteceu).

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sexta-feira, 1 de outubro de 2010

 
Espezinhamos tanto com as palavras na boca como com os pés na erva.

Herta Müller em "A terra das ameixas verdes" (Difel, 2ª Edição, Página 80)

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