sábado, 16 de outubro de 2010

 

ANIVERSÁRIO(S)

Vagueio na memória pela casa que na infância foi amiúde minha. A quietude e o silêncio actuais agridem-me porque os sinto definitivos.

A penumbra com que se buscava tão-só o fresco, nos dias mais quentes, é hoje a afirmação do que não torna. Do que (se) foi (para sempre).

Abate-se sobre mim inexorável a saudade desses instantes. Tolhe-me o ânimo essa carência da(s) certeza(s) de vocês em mim. E de quem sou (era) aí convosco. Em cada Verão, feita vossa, dia-a-dia e outra vez.

Ao cheiro da árvore do vosso jardim, inebriante nas noites abafadas e que nos chegava às narinas enquanto apreciávamos a brisa nocturna no alpendre, recordo-o enternecida numa semelhante, aquando do regresso diário da estação. Cortaram-na há muitos anos porque era enjoativo. Que falta sinto dessas noites com esse cheiro adocicado. Da árvore e de vocês todos nos respectivos lugares. Não nos deviam mover dos sítios para que fomos feitos. Fomos feitos uns para os outros. Apesar das falhas. Graças às virtudes. Tínhamos (temos) todos um lugar na vida de cada um dos restantes.

(O quanto uma essência nos faz viajar...)

Às escadas em que nos sentávamos rindo, sem nada aguardar, talvez não torne. Porque hoje se lá me sentasse, esperaria por vós, incansável, dorida, saudosa do tanto que são cá dentro e já não podem ser lá fora.

A todos quantos crescemos nesses metros quadrados dói essa casa tão vazia. O silêncio e a quietude a espancar-nos e nós a fingirmos que não magoa tanta pancada, tamanho vácuo. Essas perdas imensas.

Há que continuar.

A vida empurra-nos.

Não cessamos, todavia, de espreitar para trás. Sabemos que não se apagam (jamais) as pessoas nossas. Ainda que o presente se reduza a um olhar remoto, uma vaga centelha da desmedida força de outrora e a uma ausência irremediável. Ainda assim.

Mutamo-nos, adaptamo-nos, existimos. Não destruiremos, contudo, as fundações. Sólidas? Periclitantes? Pouco importa. Alicerces. História. Memória. Amor.

Vagueio na obscuridade, no silêncio e na quietude definitivos do que não volta a ser e, se atenta, ouço ainda gargalhadas, ralhetes, gritos, manias, conversas, mágoas, perdões. Ouço-nos reunidos. Instantâneos do tempo. Vejo-nos. Foi ontem. (Não foi?) Não vos parece que foi tudo há um dia?

Talvez tenham decorrido somente 24 horas.

Intuo-o na gata listada, macia, perseverante no quotidiano do dia anterior ao de hoje. Já sem gente, sem risos, nem choros. Apenas a casa. Desabitada. E ela enchendo teimosa as escadas do alpendre, o corredor empedrado que dá para a garagem, deitando-se pelo relvado lá atrás.

Impassível colmatando-nos o abismo, não nos consentindo esquecer(-vos).


Um abraço à minha família.

CA, PA, MA e um especial pelo dia de hoje para ti JFAZ.

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