quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Bem trabalhadinho dava um sketch (todavia sou uma calona do caraças)
A AFECTUOSIDADE DOMÉSTICA.
Nélio (nome fictício) deixa-nos com o seu relato pungente de uma vida pejada de afecto e ternura, com a qual começa a ter dificuldade em lidar, ponderando, até, inscrever-se no casting dos ídolos para ser maltratado e olvidar tamanho amor.
Quem o sujeita às carícias é Lídia a mulher da sua vida. Conheceram-se com 22 anos e têm sido décadas de cumplicidade, insuportavelmente boas.
Nélio já não aguenta tanta felicidade. E nós, vendo de fora o seu drama, compreendemos.
- Como é que se pode viver assim Nélio?
(Voz distorcida. Meia de vidro na cabeça. Um ramo de flores na mão.)
- É muito duro sabe? Há dias em que penso que a minha pele vai estalar de tanto prazer e interrogo-me se sobrevivo a esta paixão. É que não cessa de existir percebe? É horrendo. Uma pessoa quer começar a odiar a outra, ser como os restantes, que ao fim de uns anos não se podem ver. Quer poder gritar, humilhar, maltratar e não consegue. É só este amor a crescer, a crescer. Já não sei o que fazer para me sentir normal.
- E ela Nélio?
- É um encanto. Chego a casa e é sempre um abraço demorado, um "Como é que foi o teu dia?", ou um beijo intenso. Chega a estar toda nua à minha espera louca de desejo.
- E o Nélio? O que é que faz?
- O que hei-de fazer se me faltam as forças para combater esta tragédia? Retribuo. Amo-a como nunca amarei outrem. Entrego-me. O pior é quando ela diz "AMO-TE", com aqueles olhos doces e verdadeiros. Isso é o pior...
(Nélio interrompe o discurso para se recompor. Tem os olhos marejados e a voz embargada.)
(O entrevistador sente dificuldades em manter a objectividade, dada a magnitude do drama com que se depara.)
- A Lídia faz-lhe festas?
(Tocamos num ponto sensível e Nélio hesita em responder. Damos-lhe o tempo que necessita para ganhar coragem e admitir o que se passa com ele.)
- Faz.
(Responde tão-só, no limite da vergonha. Corado até à cintura de constrangimento.)
- Porque não procura ajuda Nélio? Há instituições que o podem auxiliar a resolver esse problema. Nessas encontra pessoas ressabiadas, amargas, invejosas, aldrabonas, altamente qualificadas para lhe acabar com essa alegria toda na vida conjugal. Tem é de lhes dar uma oportunidade. Tem de permitir que eles o ajudem a afundar-se. Acha que consegue?
- Não sei. Nunca tinha desabafado sobre este assunto. Estarão dispostos a ajudar-me sendo tão fraco? Permito-me amar e ser amado. Sabe o que isso é? É uma violência. E ninguém vê, porque é tudo cá dentro que se passa. Quem acreditará em mim. Quem vislumbrará a afectuosidade toda que me submerge?
- Amigo basta que ouça os outros. Consinta que o envenenem com as suas histórias de fracasso e frustrações. Permita que o encham de desconfiança e cepticismo. Deixe-se contaminar pela maldade com que proferem azedas palavras. É isso ou o amor a vida toda. Saiba que tem, de facto, escolha.
- Tenho de pensar. Chego a casa, ela cheia de ternura, vacilo. Acredito que vou ser feliz até à morte.
- Isso é pena dura demais para quem quer que seja suportar. O Nélio não merece isso. Convença-se disso. Pense para si: "Eu não mereço isto." Vai ver que aos poucos aprende a perceber-lhe os defeitos. Vai ver que qualquer dia não suporta a forma como lhe sorri, cuida de si, o deixa ser inteiro. Chegará o momento decisivo em que se rebelará contra toda essa harmonia. Nunca é tarde Nélio. Nunca. Acredite.
- Está a dar-me muita força sabe? Realmente a voz da Lídia é qualquer coisa de muito irritante. Quando chegar a casa vou dizer-lhe. Assim mesmo: "A tua voz irrita-me."
- Está a ver? Começa a ver uma luz ao fundo do túnel não é?
- É. Já consigo ponderar que ainda há uma hipótese de vir a ser profundamente desgraçado.
- E como é que isso o faz sentir?
- Aliviado.
- Aliviados estamos nós, Nélio, porque conseguimos resolver a sua situação. Não se atreva a voltar para trás. Um passo de cada vez em direcção à normalidade. "Eu não mereço isto." Não se esqueça!
- Não esqueço, não. Muito obrigado, sim?
(Nélio chegando a casa.)
(Lídia com um jantar à luz das velas preparado e os miúdos deitados nas suas caminhas, com o sorriso de quem vive um conto de fadas estampado no rosto.)
- Quero o divórcio.
- Porquê meu querido?
- Porque eles dizem que é suposto. Que não somos normais.
- E nós? A nossa história? O nosso... Amor?
- Nós não merecemos isto Lídia. E além disso a tua voz irrita-me.
- Ai é? E isto são horas de chegar por acaso? Onde é que estiveste? Com quem? A fazer o quê?
- O que é que tens a ver com isso? Passas a vida sentada ao computador a escrever merdas e não te cobro, ou cobro?
- Olha merdas são as tuas meias espalhadas no chão e as lulas recheadas que tanto gostas que me borram as mãos todas e não ficam nada de jeito. Pede à mãezinha para tas fazer.
- Não venhas com a minha mãezinha para aqui, que se queres falar de mãezinhas podemos falar da tua que passa a vida a meter-se na nossa vida e tu feita mona não nos defendes.
(Prosseguiram durante horas com as acusações e... Foram infelizes para sempre.)
Gostamos tanto quando somos capazes de resolver os problemas dos cidadãos.
Escreva-nos para: seestabemcontacte-nosquelhetransformamosavidanuminferno@gmail.com
Etiquetas: Ideias parvas
- A Lídia faz-lhe festas?
(Tocamos num ponto sensível e Nélio hesita em responder. Damos-lhe o tempo que necessita para ganhar coragem e admitir o que se passa com ele.)
-Faz.
Nélio corado de constrangimento!!!!
:D esta parte é a minha favorita!!! fartei-me de rir :)))
Vai fazendo estas coisinhas, faxavôri :))
Beijinhos, linda!
E estava tão doce... até azedar, Azêdo Meia (peço desculpa mas tinha que fazer o trocadilho).
Muito bem conseguido!
Melhor?
Bjs
Parabéns, Andreia. Gostei do texto.
Grande abraço.
<< Home
Free Counter