Estou pela primeira vez nestas andanças dos "blogues"... Resolvi fazer um em homenagem ao meu companheiro de 9 anos, o meu filhote, de quem tenho muitas saudades! Entretanto aproveito e vou pondo cá ideias que me passem pela cabeça! (16Set.2005)
domingo, 24 de outubro de 2010
INSANIDADE VOU-ME EMBORA,
A situação tornou-se-me de tal forma insuportável que parti, mãe. Deixei-te. Não pretendias libertar-te. Que fazer senão salvar-me? Ausentaste-te também. Acordarás algum dia desse sono de olhos abertos? Não me perdoo por esse adeus que se me afigura definitivo. Quando olhas atravessas-me. Não me conheces. Disse-te: “Até breve. Volto quando imune a tudo isto.” Fui cobarde? Conversámos amiúde. Tentei inúmeras vezes mostrar-te que há sempre escapatória. Não essa que encontraste. Esse alheamento agressor que te levou a alma, deixando cá somente uma casca, que visito pelo amor que te tenho, sabendo, todavia, que não és quem aí vejo. Uma saída. Várias saídas. - Não a que escavaste. – Pontos de partida que de ti emanassem apartando-te das perversões dele. Foram muitos anos sob a sua influência nefasta. A tua mente estava treinada. Também a minha se revela, ainda e vezes demais, amestrada. Prisioneira de acções que me instigam reflexos. Quando capaz de os identificar elimino-os à partida. Esmago-os decidida, qual murro impiedoso numa mesa. Tu não. Sucumbiste à insegurança, ao medo, à suspeição. Assisti ao teu definhar às prestações e soube que o meu abraço terno jamais seria o bastante para aplacar a tua dor, o(s) teu(s) receio(s). – Impotência. – Vi-te o desespero estampado no rosto e percebi que o meu sorriso e a minha alegria eram insuficientes para abafar o som descompassado do teu coração de presa acossada. – Inaptidão. – Reparei na súplica que se te desenhou nos lábios, agarrei-te rude pelos ombros e obriguei-te a ouvir: “Enfrenta. Luta. Vive.” O desgaste venceu. Desolada testemunhei-te o fim. A liberdade, mãe, só de ti dependia e nunca o quiseste encarar. Desisti quando me fartei de ser escudo. Quis muitas vezes acumular provas palpáveis com que o pudesse acusar… Ter-te-ia auxiliado? – (Im)possibilidade.
Hoje que me não podes ouvir estas palavras grito ao mundo - Tarde demais. - para que todos tomem conhecimento:
Acredito em ti.
Descansa então, mãe, se precisas. De quanto tempo carecias até te quereres desenlear? Quantos mais dias devia ter aguardado? Quando acordas? Vejo-te mas não estás, é um facto. (Devastador.) Os olhos sem luz não me fitam, contudo, ferem quando me trespassam em cada visita. Visito-te ao invés de te habitar. A culpa (não) é minha.
A culpa (não) é tua.
A culpa (não) foi dele?
CULPA: palavra amarga, cortante, opressora. Estou refém desse vocábulo maldito.
Andreia Azevedo Moreira (Lisboa, 1978) licenciou-se em Engenharia Florestal e não exerce. Não estudou letras mas dedica-se-lhes com paixão. Escreveu os argumentos e os guiões das curtas-metragens «Espelho meu» (2018) e «A Escritora» (2019) em parceria com Hugo Pinto, o realizador e o argumento/guião da curta-metragem «À vida» (48HFP Lisboa) realizado por André Costa. Colabora com o projecto online fotografarpalavras idealizado por Paulo Kellerman. No papel: «Os cães ladram» (Colectânea «O país invisível», C.E. Mário Cláudio, 2016); «Pode um corpo morto» (Colecção Crateras, Nova Mymosa, 2019); «Mar Fechado» (Grotta n.º4, 2019/2020); «As paredes em volta» (Colecção Crateras, Nova Mymosa, 2020); «A vinte e quatro minutos da eternidade» (Ed. Minimalista, Antologia de contos, 2020); «Abel» (Ed. Minimalista, Contos Minimalistas, 2021), Augustine e os maus sentimentos (Nova Mymosa, 2021), Depois do abismo o canto dos pássaros (Nova Mymosa, 2022), Em português escrevo com A (Edição em papel de 06-04-2023, Jornal de Leiria), Pesar o adeus (Nova Mymosa, 2024). Liberdade e gratidão são verbos. Pearl Jam, banda sonora.