quarta-feira, 27 de outubro de 2010

 

Vai de maneiras que me chegou à mão (esquerda) e fiz-lhe um "prafrente"

(forward em estrangeiro)

Carta de um(a) leitor(a) anónimo(a) ao António:

Querido António,

Há uns dias fui ver o filme do Desassossego do João Botelho, baseado no livro com o mesmo nome, do heterónimo pessoano Bernardo Soares. Antes de qualquer interpretação do que visionei, sobreveio a angústia que fui alimentando à medida que a película se desenrolava defronte.

De que serve a Fernando Pessoa o reconhecimento actual do seu génio?

Eis a pergunta que ainda me martela no pensamento. Que (lhe) importa que o admirem, se, à data, a existência tamanho padecimento? No seu tempo, poucos o reconheciam deveras. Aprendi-o numa aula de Primavera dedicada à Literatura. Atormentava-o a negligência a que se encontrava votado e simultaneamente, assegurar que o trabalho que lhe constituíra toda a vida permanecesse. Não sentia que a posteridade estivesse garantida e queria-a. Merecia-a. Morreu sem o constatar. Perdoe o exemplo que, bem sei, o aborrece. Era o que tinha à mão para principiar esta missiva.

Criticamos amiúde que os talentosos não sejam reconhecidos quando ainda respiram. Abominamos que sejam tecidas homenagens e atribuídos prémios a título póstumo e o António tão estimado obstinando-se com um porvir onde não morará, a não ser nos livros que escreveu?

Atesto-o do que li na entrevista que concedeu à Ana Soromenho e ao José Mário Silva (Revista Única - #1981, Pág. 43-50); do que diz esta semana na Visão (#920, Pág. 16 e 17), na sua “Conversa em família”; e de quando o ouço atentamente em cada vez que consigo ir espreitá-lo em carne e osso. Compreendo a preocupação. É justíssimo que a Obra permaneça indelével. A sua feita nossa “casa de palavras”, qual legado para a Humanidade. Não duvido que assim será. Tem noção que já se inscreveu na eternidade, - Está melhor que Pessoa, já viu? – apesar de os exemplos dos “esquecidos” serem inúmeros. O lugar na história da Literatura ninguém lho tira. Falemos, então, do presente.

Hoje é lido. Aclamado. Actualmente ainda lhe bate um coração no peito, que pode pulsar célere de desmedida alegria ou abrandar de tristeza. Hoje o pensamento ainda se lhe situa no crânio, permitindo-lhe a ternura e tem o privilégio de se sentir realizado com o que é. Sabe melhor do que eu (Já viveu (n)um limite.) que só possuímos a fracção de tempo a que chamamos “agora”. Portanto discordo de si quando diz “esta segunda morte, a daquilo que dedicaram a vida, é bem mais horrível que a primeira.” Quem de entre todas as pessoas que AGORA o podem ler estará cá nesse dia tão remoto? Ninguém. Onde andará a sua alma para se escurecer com essa hipotética morte da criação? Não sabemos o que há para lá deste corpo que nos acolhe o espírito. Somos, igualmente, incapazes de assegurar por quanto tempo existirá este planeta, ao ritmo a que o destruímos. Sendo assim, António, creio que só podemos falar, com propriedade, do “já”.

Neste segundo em que lhe escrevo asseguro-lhe o que está ao meu alcance, enquanto elementar criatura:

Ainda conheço mal os cantos à sua (nossa) “casa de palavras”. Chegou-me às mãos, como todos os momentos inolvidáveis, por um acaso. Uma oportunidade concedida e que repetirei, voluntariamente, desse dia até ao meu fim. Às vozes pressentidas aprendo a conhecê-las e fá-las-ei minhas, conforme é um seu desejo que acato como se meu. Tenho certo que serei feliz em qualquer assoalhada que erija. Sou uma partícula de pó nesse universo incomensurável de pessoas que o apreciam, o estudam e lhe devotam a atenção que é sua por direito. Rogo-lhe que não se apoquente com o que ninguém contemporâneo viverá para assistir. (Quase ingratidão fazê-lo.)

Cito Marguerite Duras:

(Eu que até embirro com isso de as pessoas se validarem citando terceiros, como se o que dizemos nunca possua a robustez bastante para que nos ouçam. É necessário citar outrem, de preferência um morto ilustre...)

Era preciso prevenir as pessoas destas coisas. Ensinar-lhes que a imortalidade é mortal, que ela pode morrer, que já aconteceu, que ainda acontece. Que não se anuncia enquanto tal, nunca, que é a duplicidade absoluta. Que não existe no pormenor, mas apenas no princípio. Que certas pessoas podem dela transportar a presença na condição de ignorarem que o fazem. (…) Que é enquanto ela se vive que a vida é imortal, enquanto está em vida.(O Amante – Pág.89)

HOJE os seus livros são imortais. Para si, para mim, para os académicos, para os críticos, até para os que nunca o leram. Imperecíveis.

O futuro não é seu António.
Não é nosso.

O “Amanhã” não existe.

Um forte abraço de um(a) seu(sua) leitor(a).

PUBLICAÇÃO ORIGINAL AQUI.

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Comments:
Grande bzuu! é isso mesmo! e sem papas na língua!...xi tanta exclamação :)
 
bjinhos bzuuuuuu.
 
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