domingo, 14 de março de 2010

 

INSANIDADE VOU-ME EMBORA

Um grito ecoa na noite acordando-me e o brado era afinal meu. Angústia. Uma sensação que não se me descolou do peito ao acordar. Revi-os. Embrenhados no mato. Olhos furtivos mediam-nos a existência. Nada dormíramos em cinco noites consecutivas. O sobressalto constante e o Marçal a asseverar que os vira armados. Alguém se assustou. Um tiro no breu não soubemos de onde. Então, rajadas de balas. O horror paralisou-me, deitando-me por terra.

Não quero morrer.
Não quero matar.
Quando me acordam? Alguém me assegure, por favor, estar somente a viver o pior dos pesadelos.


Chovia. Disparos. Rastejava no chão, mergulhando na lama. Atirava sem ver. O coração a rebentar-me na boca. A náusea agrilhoada à garganta.

Estou vivo?
Alguém me mate, por favor, que não aguento.

Para quê viver depois daquilo? Como consegui-lo? Se aquilo a que assisti me assassinou, ainda que o corpo permanecesse deslizando em abjecção, esquivando-se ao fim. O silêncio. Verificámos se todos. O Marçal?

Marçal!
Marçal!


Urros na selva.

Quem nos obrigou a crescer? Éramos miúdos. Teriam noção que nós ainda crianças? Apartados das vidas que tínhamos e que jamais recuperaríamos. Sei que acabei ali.

Perscrutámos a noite em busca do Marçal e encontrámo-lo. Inerte, mutilado, os olhos esbugalhados, fitando-nos sem nos ver. O crânio aberto, as entranhas dispersas.

É findo o teu inferno camarada.
Pudera ser eu aí aos bocados, todavia, em paz.


Uma linha de luz rasgava o horizonte. Os guerrilheiros derrotados: mulheres e crianças. Descalços. Despidos de armas.

Onde as esconderam?
Demonstrem porque vos matámos!

Salpicos de saliva precipitavam-se sobre as feições inexpressivas, intimando à confissão. Permaneceram mortos e armamento nenhum. Constatei, por conseguinte, que o meu corpo continuaria a funcionar, qual máquina programada - Inspirar, expirar. Pequena circulação, grande circulação. O músculo do peito bateria ritmado. - morrera-me, porém, a alma. Tormento atroz. Jamais ousei confessá-lo.

Aos outros: Nunca matei.
A mim: Seríamos monstros? Voltarei a ser humano?

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