domingo, 25 de julho de 2010

 

INSANIDADE VOU-ME EMBORA

Está igualmente destroçada pela decisão da Clara. Não se conforma nem entende o “porquê”? Talvez esse nos estivesse defronte. Porque assim o quis. Simplesmente. Naquele minuto decisivo talvez não lhe tenha apetecido continuar a lutar. A vida é, de facto, contenda. Há que ter força (e paciência) para a agarrar dirigindo-a para onde queremos, aguentando-a quando não a queremos e sem ânimo para a mudar. Devia estar muito cansada de o fazer. Tinha esse direito. O direito a dizer “BASTA”.

Tenho com a Paula uma relação engraçada. Raramente nos juntamos, porém, a cumplicidade e a ternura que nos unem são imensas. Cada vez que nos encontramos é como se decorrido tempo nenhum. Há muito que lhe aceitei o feitio desligado. Sempre viveu para a carreira. Uma agenda apertada e o marido doentiamente possessivo foram a combinação perfeita, para o seu alheamento do universo das amizades. Todos prevíramos um desfecho como o que hoje me contou. De que serviria alertá-la? Só acreditamos nas coisas quando as sentimos dentro. Quando não as vemos somente com os olhos, antes as concebemos intuitivamente. Durante o namoro já ele se havia revelado violento. Exaltava-se e ameaçava-a amiúde. Os olhos sobressaindo das órbitas, a cara transfigurada. Encolerizava-se por episódios absolutamente irrelevantes. De que adiantaria alertá-la? Paula cuidado. Isso não é normal. O que é normal, afinal? Tens a certeza do que queres viver? A história dos quotidianos repleta destes enganos. As desconfianças do passado demarcadas no seu rosto. Alheio-me enquanto a vejo neste estado.

Tens marcas Paula. Podes mostrar ao mundo o que te aconteceu. Acreditarão em ti. Nela? Ninguém. Jamais violência de mãos ou pés. Nunca cortes, tiros, mutilações visíveis. Ninguém mãe. Só eu as via, às cicatrizes viscerais. De que te servia enredada que me encontrava na paranóia? Naquela loucura velada, em que o medo era o que nos regia.

- Oh Paula lamento. Já sabes o que queres fazer?
- Sei que queria esquecer o que aconteceu, acreditar que ele muda e continuar a minha vidinha, dentro do possível, boa. – Sorri-lhe complacente e nada acrescentei. - Vou ter uma carga de trabalhos, ficar desfeita, mas já me decidi. As pessoas não mudam. Devia ter agido imediatamente, da primeira vez que ensaiou o gesto. Nada fiz. Fui comodista. Eis-me a braços com as consequências. Cá me hei-de aguentar. Lembras-te? “You live you learn” .

- Podes ficar lá em casa. O Miguel não se importa e sempre ficas acompanhada.
- Agradeço-te amiga. Sei que o teu convite é sincero, mas preciso de enfrentar o que se passa sozinha. Só assim conhecerei a real medida da minha força.

Relata-me que esteve todo este tempo apática, afastada de si, em nome de uma suposta estabilidade emocional e que hoje entende o quanto se anulou pelo caminho, negando a sua natureza. Constata que de nada lhe valeu.

- Isto só vale a pena se puder ser verdadeira. Se não mo permitem, se não me aceitam, prefiro estar sozinha. Sozinhos estamos todos não é?

Respondo-lhe com uma das minhas teorias. Todos somos sós. Contamos com visitas ao nosso universo, passagens que podem durar muito ou pouco tempo, enriquecer-nos mais, ou menos, não podemos ter, contudo, quem quer que seja acorrentado, para nos sentirmos acompanhados. Sozinhos estamos quando nascemos, assim estaremos na hora de morrer. Se vivemos períodos, durante o tempo que medeia esses dois acontecimentos, em que nos sentimos acompanhados, são fracções de tempo de doce ilusão. A solidão é condição humana. O acto de pensar isola-nos. Torna-nos únicos, intangíveis. Não deixa de ser maravilhoso quando conseguimos roçar outros universos, partilhar o que somos e iludir esse isolamento. Estar só não é necessariamente mau! É imperioso que nos conheçamos e alcancemos a plenitude de que fomos dotados.

- Lá estás tu Mariana. – Riposta atordoada - Não vou tão longe. Sou mais elementar sabes? - Soltamos sonora gargalhada em uníssono.

(Estas são coisas que digo para nos consolar. Não sei, sequer, se creio nelas deveras...)

Dá-me um beijo deixando-me na esplanada enquanto olho o mar, esse infinito de azul que me apazigua e relembra, uma onda após outra, que tudo é remediável e renovável. Tudo pode ser levado para muito longe, ou me ser devolvido, como o são as ondas, pelas marés.

Penso em ti. Como não pensar? Enquanto não vomitar tudo o que me entupiu até hoje e não analisar tudo o que (nos) aconteceu ao mais ínfimo pormenor, não avanço. Não leves este diário a peito, como se de uma vingança se tratasse. É o que me resta fazer antes de prosseguir com a minha vida, sem pedra(s) no sapato. Sem ti. Que rochedo te tornaste. Não só me perturbas o andar como me bloqueias a passagem. Impossibilitas-me um futuro são e não to permito. Purifico-me desta forma, relembrando desesperadamente. Registando-o. O melhor e o pior do que fomos, para, se for capaz, perdoar-te. Perdoar-me. Perdoar-nos e esquecer.

Começar de novo. Sem mágoa(s). Eis o que ambiciono.


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