domingo, 19 de setembro de 2010

 

INSANIDADE VOU-ME EMBORA

Hoje falei contigo. Não que o desejasse deveras, todavia, parte de mim ainda se agarra a ti desesperada. Ainda me grita: Não o deixes partir. Não o deixes partir. Liguei-te, pois. Tenho tido a iniciativa. Tu não. Questiono-me se a tua súbita mutação, esse silêncio, é tão-só nova empreitada para me agredir, ou se assumes enfim que não passei de peça de xadrez nas tuas mãos. Um cavalo. Assim que me escusei a levar as mensagens rebuscadas, em “L”, até ela, deixei de ter utilidade e sou comida pelo rei da tua perfídia. Talvez não me encontre altiva ou indiferente como clamo. Sofro mais. Peno ainda. Consinto que a dor me fale. Afinal, foste também quem me ensinou a jogar num tabuleiro. À medida que escrevo o manuscrito do que fomos, desta maneira que encontrei para te falar - Jamais uma conversa franca. Adivinhaste que me rebelaria? – Revivo não somente o mal que pretendo esquecer, como recordo inúmeros instantes sublimes, soterrados por anos cumulativos de mágoa. Está a ser-me benigno recuperá-los qual arqueóloga, com infinitos cuidados e pincéis delicados. Afasto a poeira do tempo. Revelo o esqueleto da minha criação.

Ontem almocei com a Paula. Depois tinha a tarde livre e apanhei o metro na estação do Parque. Recuei vinte anos. Estava de mão dada contigo. Nessa altura “pai” amigo. Distante de seres o fogo incessantemente hostil do presente. Tu e eu nas escadas rolantes imensas. Descendo. Subindo. Descendo. Sorrisos. Como se de carrosséis se tratasse. A emoção indisfarçável. Tão simples ser feliz nessa altura. Inato. Bastavas-me tu e esse mundo que criámos. Uma necessidade premente de não te consentir apartar. Pelo menos não já. Não enquanto me conto, pela última vez, esta história. E se eu nos queria com um final feliz. Rolam-me as lágrimas pela cara adulta de quem já te perdeu. O coração no aperto de estar a cada linha que redijo a empurrar-te para mais longe. Para fora da minha vida onde perdeste um lugar que outrora consideraste vitalício.

(E eu também.)


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