domingo, 26 de setembro de 2010

 

INSANIDADE VOU-ME EMBORA

- Reparaste naquele rapaz?

- Qual?

- Aquele sentado à porta daquela loja, com uma mala pequena de rodinhas onde apoiava o queixo.

- Não vi.

- Pareceu-me desorientado... Já é tão tarde. Terá onde passar a noite?

- Que queres fazer?

- Sei lá, dar-lhe quarenta euros para a passar naquela residencial, por exemplo.

- Quarenta euros, Mariana? E amanhã e nas noites que se seguem? Se calhar estava apenas a descansar. Pensaste nisso? Ou à espera de alguém...

- Aquele olhar, Miguel. Não engana. Está perdido, sem perspectivas. Deve ter a nossa idade e está para ali sentado ao frio, a esta hora da noite...

- Pára de dar corda à tua imaginação melodramática, por favor. Já temos os nossos problemas.

- Isso não quer dizer que fechemos os olhos e o coração às dificuldades dos outros. Não nos devíamos alhear dos que precisam de ajuda ainda que também precisemos... A minha avó toda a vida foi pobre e toda a vida ajudou os que eram ainda mais do que ela. Déssemos todos um pouco mais. Fôssemos capazes de ir além dos próprios umbigos. Angustia-me pensar que atravesso toda a vida dedicada apenas a mim e aos meus. Sem ver os outros. Temos mais poder de melhorar a vida a terceiros do que imaginamos, não temos, a maior parte das vezes, é a vontade. Mas a vozinha cá dentro não se cala.

Silêncio gritante. Sabe que tenho razão. Em tácito acordo voltamos para trás para conversar com o moço, perguntar-lhe em que podemos ajudar. Já lá não está. Foi um começo. Pelo menos por hoje enxotámos a alienação negligente que toma conta quotidiamente e agimos. Ou, por outra, tentámos.

(AGIR.)


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