quinta-feira, 24 de maio de 2012

 

No meu peito não cabem pássaros – Nuno Camarneiro - Na Geração C

A relação que estabeleci com este livro foi de estranheza. Conhecia o blogue do escritor (Nuno Camarneiro, 1977) no qual era amiúde arrebatada pela sua escrita. A expectativa em relação a prosa de maior fôlego era imensa, pelo que me quedei desconcertada quando não fui impelida, de imediato, para o(s) enredo(s). Curioso? Agora que me preparo para vos falar dele, percebo quão fortes as impressões que me deixou e como algumas imagens ainda me assombram, como se lidas há um instante.

Em 1910 incendiou-se o céu à passagem de dois cometas pela Terra, convencendo a maioria do fim. À data três homens existiam em cidades distintas, alheios ao pânico. Buenos Aires, Lisboa e Nova Iorque. Jorge, Fernando e Karl, murmúrios de Borges, Pessoa e Kafka. Narrativas díspares de tom poético a perpassar cinco momentos: exórdio, confronto, acerto, assombro e fecho.

Karl é imigrante e lava vidros num arranha-céus. Haverão de se aproveitar da(s) sua(s) carência(s) convencendo-o, por um dólar, a ser cobaia numa experiência que corre mal. Assim lhe roubam o domínio sobre um braço. Tremores constantes custar-lhe-ão o posto de trabalho. Morrerá de amores por Celestina, mulher que conhece num estabelecimento de satisfazer desejos, gerido por Thomas que o acolhe para saldar para com ele dívida, após o incidente que o deixou desempregado.

Fernando apresenta-se-nos enquanto atravessa o Atlântico com destino à casa de uma tia, com quem viverá algum tempo. Escreve febrilmente o mundo e a si mesmo. Alimentará paixão fantasma por uma mulher que lhe rouba a escrita e a liberdade, depois de a ter resgatado às águas do Tejo.

Jorge é ainda menino quando se nos revela, criança de imaginação prodigiosa especialista em inventar universos onde se possa perder e crescer em jogo perene. Escreverá o destino de Roberto, um colega de escola, para exorcizar o quanto sofreu com as suas impiedosas brincadeiras. Conceberá, anos mais tarde, que pode alterar o rumo da realidade.

Desafio-vos a perceberem cada um deles nas seguintes citações e a abraçarem esta obra de uma prometedora voz da literatura portuguesa recente: «Afinal escrever era trazer o mundo na algibeira.» (Pág. 42); «É um homem descontente sem ideias para felicidades.» (Pág. 150); «Os homens duplicam-se a cada cruzamento, os homens são assim. (Pág. 179).

Repleto de bonitas metáforas, arrisco-me a dizer que neste romance todas as frases são sublimes.

«Quem nunca quis dormir até a vida ser um lugar praticável, quem não conhece o desconsolo de vestir cada dia uma pele curta nas mangas (…)» (Pág. 164)

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Publicação original AQUI. 

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