sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

 

DESPEDIDA PREMATURA

Encontraram-se no meio da rua. Não se viam há uma vida. Pareceu-lhes. Ainda assim o reconhecimento. O coração que bateu indisciplinadamente no peito, as mãos inexplicavelmente trémulas, frias. A falta de assunto. A pergunta desesperada repetida à exaustão nos parcos minutos de conversa:

“Está tudo bem?”. - A resposta não menos ridícula, porque insistente - “Sim está. Tudo bem. Tudo óptimo.”

“No outro dia vi aqui a Teresa. Lembras-te? Também vive ali em baixo.”
“Pois. Lembro.” - Retorquiu embaraçada.

Nada havia para dizer. Um nada para dizer que era tudo o que havia para dizer e não foi dito e não será, jamais, dito. Faltou-lhe a coragem para tirar os óculos escuros, para olhá-la nos olhos, para lhe ver o que ia dentro. Ela não se importou com a barreira. Ainda bem que houvera esse obstáculo. Esse par de óculos a impedir que se visse o que até então não fora óbvio. E ali naquele momento, claro como água. A esbofeteá-las. A molhá-las como a chuva miúda. Uma porta por abrir. Uma possibilidade não seguida. É tudo tão complicado. Não se muda de vida, de pessoas, como se muda de autocarro. Para isso já basta a morte. Que nos rouba aleatoriamente os nossos, a seu bel-prazer. Não. Aquilo ficava por ali. Por aquele momento. Se tudo corresse bem não mais se encontrariam. Fora um acaso. Uma rasteira. Nada se alteraria. Tudo como dantes. Mas ela sabia não ser verdade. Fora apanhada desprevenida pelo ar dela sem jeito. Pelo constrangimento das duas. Pela surpresa do que até então andara, talvez, escondido. À espera deste encontro fortuito?

Continua a ter para si que há pessoas que se conhecem de outras vidas e ao se encontrarem, por puro acaso, se reconhecem. Não é facto que as deva preocupar, provavelmente encontrar-se-ão muito mais vezes, em muitas outras vidas. Ficou porém com a certeza, que se não amasse já tanto alguém como amava, amá-la-ia por certo, para sempre (nesta vida), a partir daquele dia. Se não houvesse já uma vida em curso, uma vida preciosa em curso, uma que não podia de modo algum deitar fora, teria tirado os óculos da face, tê-la-ia encarado com os seus olhos amendoados e dir-lhe-ia num sussurro:

“Não digas mais nada. Já passou tempo demais.”

E por isso lamentou e ficou triste.

“Até qualquer dia então.”

“Adeus.”

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