quarta-feira, 25 de março de 2009

 

É mesmo hoje.

POEMA EM LINHA RECTA

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Álvaro de Campos

E contra mim grito, tantas vezes sabichona, tantas vezes dona da verdade, tantas vezes simplesmente parva, ingénua, desconhecedora da complexidade da vida. Tantas vezes apregoando faria isto, faria aquilo. Tantas vezes a dar tiros nos pés sem o saber, ainda. Falem, teorizem os corajosos que há-de vir o dia em que a vida vos rasteira e ficam no chão, incrédulos, perdidos, sem saber como se hão-de levantar. E sabem o que vos digo? Cada um faz o melhor que pode. E nem sempre "o melhor" para nós é o melhor para o vizinho do lado. Por isso que cada um viva como souber, o melhor que souber, se puder. Ouvidos moucos aos que pensam saber tudo, aos que pensam saber deveras o que fariam, quando na verdade não o podem realmente saber, até que lhes aconteça. Perdão a todos, contra quem a minha voz em pensamento (ou não) ergui, porque no fundo só sei que nada sei, como o outro.



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Comments:
amén
:)

huguinho olha outra para fazer inveja:
*sucks* (it)

eh eh eh
só a mim é que sai estas ordinarices...nem sei porquê!!
:D
 
eh eh eh eh eh eh eh. Adivinha lá o que se me oferece dizer? MUITO BOM. Ah pois é.
 
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