segunda-feira, 6 de abril de 2009

 

Todos os dias: IGUAIS

Todos os dias, pela manhã, escolhe em pijama, a mesma caneca, o mesmo prato, a mesma colher. Todos os dias, os dispõe de forma milimétrica, em cima da toalha de mesa que tem na mesa da cozinha. Acerta o prato pelos padrões do tecido. De seguida a colher, calculadamente ao lado do prato, por baixo da flor laranja. Tem de ficar certo. Aquele prato tem de estar, todos os dias pela manhã, no mesmo lugar.

Todos os dias, pela manhã, coça a cabeça confuso (depois de ter coçado o rabo com vigor), olha de forma vaga os azulejos por cima do lava-louça, enquanto bebe o copo de água morna, meio-cheio.

Todos os dias, sempre pela manhã, prepara o que há-de comer e que em todos os dias é igual.
Constata que fede. E, todos os dias, omite o banho da rotina.

Come. Todos os dias, pela manhã, come de forma calculada. Primeiro um gole de café, depois uma trinca no pão da véspera. Novo olhar vago, desta feita para os azulejos em frente à mesa da cozinha.

Todos os dias, pela manhã, observa-se ao espelho e constata que está um pouco mais gordo. Não tem saído de casa, porque não tem tomado banho.

Está sempre em casa, pela manhã, na repetição insana dos acontecimentos desprovidos de importância.

Todos os dias, pela manhã se veste e em todos eles sabe o que há-de ser, porque toda a roupa que possui é igual. O que a distingue é morar no armário, ou temporariamente no cesto da roupa suja. Ao contrário de si, à roupa é incapaz de deixar imunda.

Todos os dias, pela manhã, se interroga quem lhe terá apagado as tardes e as noites da memória, olhando perdido, os azulejos.

Todos os dias, são para ele, dias pela manhã.

E ainda assim, não se sente a amanhecer.

Anoitece nele.

A escuridão avança, inexorável.

Anoitece. Nele.

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Comments:
muita gente viverá assim...
que triste mas tão bem pormenorizado

Beijo
 
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