sexta-feira, 2 de outubro de 2009

 

Bastava que ela acreditasse.

Ela apaixonou-se perdidamente, sem saber como, por uma ideia. Mas atenção que a ideia não se apaixonou por si. Tanto lhe fez. Deixou crescer a paixão e consumou-a. Chegou o dia em que ela deixou que a ideia a possuísse, sentiu-a penetrá-la e ávida acolheu-a e seguiu ritmada (n)o devaneio. A ideia era uma ideia como tantas outras que se formulam no decorrer do pensamento. Era, porém, uma ideia muito forte e dominadora. Agarrou-a por trás, pelos cabelos e sussurrou-lhe assertiva: QUIETA. Ela não temeu a voz. Passa a vida a ouvi-las, às vozes que lhe vão dizendo coisas sobre o que lhe acontece. Esta dizia-lhe: QUIETA. E ela sem vontade de obedecer, apetecia-lhe virar-se para abraçá-la. Era sobretudo a vontade desse abraço que a asfixiava, que a queimava por dentro. Quase que o sentia. (Ao abraço.) Uns preferem os beijos. Ela preferia sentir os pescoços quentes entrelaçados. Esquecia-se por momentos que a ideia não estava ali, de facto. Era ela quem a queria ali, quem a imaginava perto, mas a ideia não era dela e jamais seria. (Ela não vislumbrava como havia de fazer para a ter. O que podia fazer para a conquistar. Sentia-se inepta.) Também não estava certa de querer a ideia, se essa fosse real e verdadeiramente alcançável. (A urgência daquele desejo era tudo. Movia-a.) Considerou, então, ser possível combater a ideia com palavras, como sempre fizera com o resto. Dizia: “Hei-de escrever tanto sobre ti que te esgotarei em frases intermináveis e redundantes. Cansar-me-ei de tanto te falar. Até que sobre só o silêncio. A ausência de ti. A não ideia.” E a ideia ria-se e ridicularizava-a deixando-a prostrada pelos sintomas febris de mulher obcecada. Da cópula com a ideia foi gerado um ser. (Talvez outra ideia. Não se sabe.) Um ser que ela amava já muito e desesperadamente, qual progenitora ciosa da sua cria. Era ainda um feto mas ao invés de lhe fazer crescer a barriga começou a crescer(-lhe) em direcção inconcebível. Uma intensa força interna, opressora como uma jibóia a sufocar a sua presa. Todos os dias o feto crescia mais um pouco. Ela acarinhava a barriga, embora esta não crescesse como era suposto. E o feto, com as suas mãozinhas de feto, agarrava-se aos órgãos, às artérias e empurrava com os pezitos as vísceras para trepar até onde queria. Ao coração. Ela não se sentia bem, obviamente. Atribuía o mau estar à gravidez, sem saber, ainda, que a paixão por tal ideia a havia condenado. Cresceria tanto esse feto, gerado dessa paixão insana que acabaria por transformar-se nela própria. Nessa altura ela ainda não sabia disso. Sabia apenas que daria à luz aquele filho, porque era o que lhe restava da ideia. A ideia viera, fizera amor consigo e partira leviana e insensível aos estragos que deixara para trás. A gestação decorreu e aos nove meses não houve parto. Os médicos não lhe encontraram mal diagnosticável pelos procedimentos normais. Também não existia o feto que ela gritava carregar em si. “Salvem-no!” ordenava-lhes. E os médicos disseram-lhe que nada havia a fazer, que era tudo inventado. Que estava louca. “Trata-se de uma gravidez histérica.” Tentaram dizer-lho. Virou-lhes as costas altiva. Não se importou que mais ninguém além dela o testemunhasse. Quando se tem uma certeza assim, não são necessárias testemunhas. E ela toda a vida acreditou mais no que não via, do que nas ciências exactas. Fê-lo nascer sozinha, criou-o - ao fruto desse grande amor - determinada e todos os dias lhe ensinou que a vida é sempre um não desistir.

Andreia Azevedo Moreira
2 de Outubro de 2009


Pensando em: EO, OL, DQ, LJ, C e sobretudo em N.

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Comments:
QUIETA!
 
Quieta com ponto de exclamação não denota assertividade caro anónimo. E a voz de que falo é assertiva. Um bem-haja e volte sempre.
 
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