quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

 

Outro TPC (já depois de corrigido pela stôra)

Enunciado: Começar um texto com 17 de Novembro de 2050. Socorram-se de um livro da vossa estante para, mais uma vez encontrarem palavras que não só vos enriqueçam o texto, como vos ajudem a progredir na história.

17/11/2050

Hoje é o dia em que eles se comprometeram voltar. Sei porque mo gravaram a canivete no fuste. Lembro-me como se tivesse acontecido na hora que precedeu esta, porém, cinquenta anos decorreram desde o 17/11/2000, em que os quatro, à data com quinze anos, fizeram o pacto das suas vidas, tendo por única testemunha esta secular árvore que sou. Que importa que vos diga se sou um carvalho negral, ou uma azinheira? O que é efectivamente relevante é que hoje com sessenta e cinco anos, virão diante de mim reiterar o compromisso. Tenho visto tanto nesta vida que estou crente que não aparecerá vivalma, devem ter-se amedrontado. Ainda assim, encontro-me impaciente.

A manhã erguera-se soalheira e adivinhava-se quente, apesar do Outono rigoroso que se vivia nesse ano. A brisa matutina agitava-me as folhas e esse restolhar familiar embalava-me os pensamentos de árvore. A seiva corria-me, então, plena de fulgor. Calculo que teria cerca de sessenta anos. Presentemente a memória já me falha de vez em quando, porém, este dia jamais olvidarei. Um imbróglio é o que vos digo. Bingley, Darcy, Georgiana e Elisabeth vinham a correr, descontraídos. Pregavam partidas uns aos outros, em que ora caía Bingley, ora tombava Darcy, ora se precipitavam todos, rebolando numa amálgama de alegres corpos juvenis, pela vegetação humedecida do orvalho. Soltavam sonoras gargalhadas. Eis que Elisabeth se levanta repentinamente, muito grave. Ajeita a saia, sacudindo-lhe as folhas secas, fecha um botão da camisa que entretanto se desabotoara e diz peremptória: “Estamos a esquecer-nos do mais importante, com estas brincadeiras. Da razão pela qual fugimos para aqui.” Os outros, no chão, desconcertados com a mudança súbita no seu comportamento, sentaram-se fitando-a. “O que aconteceu no presbitério não pode ser apagado. Temos de fazer alguma coisa e ninguém além de nós, que o presenciámos, poderá intervir. De acordo?” As feições dos três amigos transfiguraram-se. O à vontade deu lugar à consternação. Era premente que tomassem uma atitude, mas sentiam-se esmagados pela própria insignificância. Como é que quatro miúdos conseguiriam defrontar o poder instituído na vila?

O terror invadira-os. As consequências de qualquer resolução seriam devastadoras. Fosse possível, prefeririam esquecer o remorso, nada fazer e prosseguir com as suas vidas de crianças. Sentimentos não são, no entanto, transacções pecuniárias e por isso em certos casos, como este, não era negociável o que havia a fazer. Decidiram, à minha frente, realizar o pacto, e haveriam de gravar em mim, de forma indelével, a data em que se reuniriam para celebrar o valente acto.

Caso não aparecessem, no dia estipulado, significaria o fracasso dos seus intentos. Teriam sido cobardes e como tal, por vergonha, não voltariam a ver-se. Seria o preço a pagar pela desonra. Uma decisão dolorosa para todos, mas especialmente pungente para dois deles. Apesar da tenra idade Darcy e Georgiana já se amavam com a urgência dos adultos e mortificava-os conceberem a separação. Mais um motivo, talvez o mais importante para aqueles dois, para se vestirem de perseverança e enfrentarem o perigo.

Elisabeth, dotada de uma imensa eloquência, principiou o acto solene. - Antes, pedira o canivete a Bingley, sempre munido deste. Gostava de apanhar fruta das árvores com as quais se cruzava. Era assim que comia as maçãs e os figos: “ainda imaculados”, como dizia poeticamente, embora no tom jocoso que o caracterizava, enquanto fazia pirraça aos amigos pelo deleite com que os ingeria. - “Vamos denunciar à polícia, aquele do qual nunca repetiremos o nome, de tão infame. Iremos testemunhar o que vimos, exigir que nos ouçam e que se faça justiça. Prometemos aqui, uns aos outros, que no caso de sermos ignorados, tomaremos a razão a pulso e engendraremos um plano para castigar esse vil homem. Que a cicatriz que agora inscrevemos nas palmas das nossas mãos esquerdas, as do lado do coração, jamais nos deixem esquecer a missão da qual fomos incumbidos, pelo Destino, no momento em que testemunhámos o crime perverso.

Abriu fundos lenhos em cada um dos três companheiros e de seguida fê-lo, com uma frieza notável, em si própria. Uniram os quatro golpes, sucessivamente, misturando o sangue entre todos e dirigiram-se-me para completar o processo.

Nunca mais os vi. Desde então, nada de tão insólito se repetiu. Apenas o banal, os enamorados que me gravam corações com nomes dentro e fazem juras, enquanto se amam à minha sombra.

Tinha esperança que hoje, aqueles quatro viessem e me provassem que existe uma grandeza invencível no coração das crianças e que essas podem ter voz, mesmo neste mundo feito de arbitrariedades. Anoitece já. Temo que não cumpram o firmado com sangue. Entristeço-me...

- Hey Elisabeth. Espera um pouco por favor. Estamos velhos. Que fazes a correr dessa maneira? O Bingley já tropeçou e perdeu o aparelho do ouvido. Espera! Ainda faltam horas para o fim do dia e as árvores não saem do sítio, sabes?

Andreia Moreira
21/11/2009

LIVRO ESCOLHIDO: “Orgulho e preconceito.” De Jane Austin. Apesar de não o ter lido, sei que se passa num meio rural, o que me levou a escolhê-lo na prateleira já que tinha como ideia de partida a de uma data gravada num tronco de uma árvore.

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