A menina tinha nove anos e crescera temendo o Inferno.
- Olha o Inferno! - Dizia-lhe a avó e ela acreditava.
- Preciso de me baptizar. Urgente. - Informou os pais resoluta.
A menina tinha nove anos e ia, finalmente, receber o primeiro sacramento esperançosa de escapar ao Inferno.
- Ó Vó! O que é o Inferno? - Não lhe ocorrera, jamais, perguntar. Assumiu de imediato que deveria ser qualquer coisa maligna e a evitar.
Houve algumas reuniões em que pessoas sérias falavam sobre assuntos graves, muito direitas, como se houvesse competição para aferir qual o mais aprumado. O senhor prior, no princípio de cada uma, torcia e puxava o papo à menina enquanto lhe perguntava se, se portava bem.
(Ninguém a desproveu, entretanto, da convicção que a força que o careca empregava, no cumprimento, era de tal maneira desmesurada que fora o responsável pela papada que, ainda hoje, lhe circunda a carinha laroca.)
Discutiu-se o amor como se pudesse ser debatido o mistério maior. Perguntaram ao casal "feliz" se, se amavam mais depois de 11 anos de casamento, ou no princípio de tudo.
ELE: AGORA.
ELA: ANTES.
Não era importante que o que ele afirmava fosse mentira e que ela tivesse dito, mais ou menos, o que lhe ia dentro ao nível do estômago.
As palavras tinham sido proferidas perante terceiros.
ELE: (E)s(t)ou humilhado. Porque não mentiste?
ELA: Lamento a dor. Não sei representar. Vivo em crueldade.
A reunião acabou e quem fizera a(s) pergunta(s) parecia satisfeito.
Os dias que se sucederam foram feitos de um silêncio avassalador para a menina, que perdera a certeza de não querer ir para o Inferno.
Moral da história: No que toca a celebrações na Igreja, é muito importante que se falte às reuniões.
Epílogo - Isto veio a ser(-lhe) de extrema utilidade quando, décadas mais tarde, uns e outros lhe tentaram impingir aulas para aprender a (con)viver com a pessoa com quem já dividia a vida há anos. (Em pecado, claro está. Diz que a menina nunca, mas nunca, se há-de livrar de ir parar com os costados ao dito Inferno. E ainda bem.)
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# Ideia partilhada por Andreia Azevedo Moreira @ 00:07
