sábado, 26 de novembro de 2011

 

DO APRENDER A TRANSGREDIR

As palavras, lidas de relance, não lhe abandonavam o pensar.

“PORCA”

                                                                           “ODEIO-TE”
“NOJENTA”           “MUDA DE CAMISA!”
                                                                                                           “CHEIRAS MAL”
                 
                  “CHAVALA JAVARDA”
                   
                                                                  “RIDÍCULA”

“ODEIO-TE”

Dirigiu-se ao WC do pavilhão A. Retirou a carta que ardia no bolso de trás das calças de ganga, por demais justas, esquecendo as restantes. As que prometiam amor, um cinema, sorrisos ou encontros. Que fossem fictícias e outra forma de gozo, não era importante. Não se comparavam à pujança com que esta a tocara. Releu as agressões como a poemas-soco. Soletrou cada vocábulo deglutindo-os. Tremia. As mãos geladas. Pensara rasgar a missiva deitando-a em mil bocadinhos para a sanita. Saía dali e fingia com sorriso arrancado aos pés, que não havia aquela dor tão grande a carcomê-la. Tomaria banho, assim que pudesse. Trocaria a camisa de flanela aos quadrados, por outra das quatro que costumava envergar. Pentear-se-ia. Ainda a ergueu ao nível do nariz para principiar a tarefa. Mudou de ideia.

- Sim. Decidi de outro modo. Não me arrependo.

- Tem noção que terá consequências?

(Encolheu repetidamente os ombros)

- Sinto-me bem. Logo à noite deito-me e durmo descansada.

- Conte-me o que se passou, para que a sua versão conste do processo.

- Há esta cena das cartas dos namorados no 14 de Fevereiro não é?

- Sim…

- Pois. Essa porcaria só serve para gozarem os otários. Marcam encontros falsos, naquela de irem espreitar o parvo na inútil espera; enviam recados em nome de terceiros que, amiúde, nem gramam o destinatário; escrevem recadinhos lindos esvaziados de verdade, enfim, trinta por uma linha. Recebi várias dessas cartinhas. Não me chateiam. Imagino, inclusive, que são genuínas e chego a sentir orgulho por receber três, ou quatro. É normal uma miúda achar que tem direito à atenção de outrem. Pouco me mói se é brincadeira. Sonho que não e tudo bem até ao ano seguinte. Nem me questiono sobre a ausência de outros sinais além dos bilhetes do 14/02. Antes de esquecer o assunto, espreito de esguelha para o bar, certificando-me que, de facto, ninguém. Um João, um Rodrigo, um Eliseu. Alguém. Tenho convivido bem com isto. Este ano foi diferente. Aquela estúpida de merda…

- Modere a linguagem por favor.

- Ok. Aquela imbecil do caralho…

- Olhe que só piora a situação que já não é famosa.

- Tem razão. Peço desculpa. Como ia a dizer, aquela sonsa fez-se passar por minha amiga enquanto fomos colegas de turma, quando tudo o que queria era livre acesso aos meus testes. Fui coisa a usar enquanto deu jeito. Pois bem, assim que deixámos de ser da mesma turma, passei a alvo declarado de troça. Antes camuflava as suas opiniões sobre mim, atribuindo-as a terceiros. “Ah sabes o que é que o fulano disse?... Pois! Nem concordo, mas…” Semeava insegurança. Teve a lata de me vir questionar sobre o número de cartas que recebi para aferir a minha reacção. Encarou-me de olhos muito abertos farejando. Panhonha, ao invés de lhe dizer ali seis certezas ou, até, um empurrão, fui para a casa de banho agoniar-me sozinha. Incapaz de chorar, ou exprimir, o princípio do sofrimento que aquilo me causou.

- Continue. Sem se exaltar, por favor, que isto para o seu lado já se complicou quanto baste.

- Está bem! Ora, encontrava-me nesse impasse, engasgada de mágoa, decidida a rasgar a carta quando me deu a vontade.

- Hum… Hum…

- Não foi planeado está a ver? Como adivinhar aquela aflição?

- E o saco onde transportou a matéria?

- Um feliz acaso. O resto já sabe como aconteceu.

- Pois sei. Quer acrescentar algum pormenor, que me não tenha sido comunicado pela outra parte?

- Sim. Quero dizer, em minha defesa, que confirmei junto dela, antes de fazer fosse o que fosse com o “acaso”, se tinha sido ela a escrever-me.

- O que lhe respondeu?

- Riu-se. Riu-se muito, enquanto piscava o olho à Helga. Eram gargalhadas que doíam. Passei-me e utilizei o “acaso”.

- Então admite que o premeditou?

- Tanto quanto se pode premeditar um cagalhão.

- Já a avisei para ser bem-educada.

- Desculpe. Estou nervosa. Mas não arrependida, deixe lá isto aí escrito na sua folhinha. Lamento, igualmente, não a ter obrigado a comer a carta. Ainda agora me pesam no estômago aquelas palavras.

- A família dela exige um pedido de desculpas.

- Com certeza. Aceitá-lo-ei com todo o gosto.

- Está a fazer-se desentendida? Eles querem que peça desculpa à Vanessa.

- Fá-lo-ei se ela o fizer também.

- Ela alega que é mentira. Que a Andreia a inveja e por isso lhe fez aquela maldade.

- Ah ah ah ah.

- Recusa-se a pedir-lhe desculpa?

- Ah pois recuso! O que eu lhe fiz vê-se. Depois de um banhito com sais do boticário, perfuma-se com Aqua Fresca, veste um pijaminha quente e fofinho, dorme e aquilo passa-lhe! Amanhã, ou depois, cheiro nenhum a merda. Pelo menos, literalmente. O que ela me fez e a outros, não sai. Fica-nos dentro. Para sempre. Hei-de encontrá-la adulta, longe destes quinze anos turbulentos e tremer enquanto a cumprimento inepta para lhe demonstrar o quanto a desprezo. Dar-lhe-ei dois beijinhos, como se me merecesse consideração. Temê-la-ei, de novo. Como se a qualquer momento balões de banda desenhada me viessem legendar:

“PORCA”
“ODEIO-TE”
“NOJENTA” “MUDA DE CAMISA!”
“CHEIRAS MAL”
“CHAVALA JAVARDA” “RIDÍCULA”

“ODEIO-TE”

- A fantasia apaziguou-a com o passado?

- De que maneira!

- Que fará se um dia a reencontrar?

- O mais provável será ignorá-la. Dois beijinhos não darei decerto. Que nojo!

- Dir-lhe-á alguma coisa?

- Não.

É-me suficiente saber que, no presente, não permitirei que me violentem daquela maneira.

Andreia AM Sábado 29/10/2011 (23h) a Domingo 30/10/2011 (00h37mn)

Etiquetas: , , ,


Comments:
CLAP, CLAP, CLAP, CLAP :)

É uma grande conquista deixar esses seres para trás... mas confesso que tb eu gostaria de reencontrar alguns hoje em dia... para "reviver bons momentos" ;)

Beijos
 
Bate lá agora. Bate lá! Vá, experimenta! :):):):):)

(E quando digo "bate lá" é favor não te pores para aí a divagar...)

ehehehehehe

BJS BJS BJS

Somos fotes! :)

CLAP CLAP CLAP pa ti tb qués lindo.
 
Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Website Counter
Free Counter