quinta-feira, 8 de março de 2012

 

Correntes d’Escritas 2012 – EU FUI! – Parte Sexta

Cheguei ao hotel depois da 5ª mesa, passava da meia noite. Espreitei o bar cheio de convivas, todavia, não me habitava convicto o efeito das duas aulas do curso de teatro, para me afoitar a uma aproximação.

- Boa noite. Importam-se que vos ouça?

Ficou por dizer. Não o lamento. Fazemos o que podemos. O que conseguimos. Fui dormir. Última noite passada comigo. Fez-me bem estar isolada. Pela última vez se iluminou o céu da Póvoa, na janela do 706. Tomei o derradeiro pequeno almoço “axisvermarense” rodeada de pessoas que são o que almejaram (?) um dia. Serão mais felizes, elas que podem perder-se nas horas, de caneta na mão, ou dedos no teclado? Encontraram já um sentido? Sentem-se plenas? Trocariam o que têm, por outra coisa qualquer? Anseiam o inalcançável? Desprezam o que lhes foi permitido, ou que a pulso conquistaram? Todas estas questões calei ao passar por eles, enquanto me sentava alheia numa mesa perto de uma janela que me deixasse vislumbrar o oceano. Comi os meus dois pãezinhos com manteiga, bebi o café quente adocicado, mirei-os o mais discreta que soube. Ruben. Faria. Maranhão. Tavares. Neto. Sepúlveda. Faltar-me-á deveras algo? Não creio. Porque não cessa esta luta (inglória) que travo internamente? Do que é que preciso? Se o alcançar, por que me digladiar a seguir? Às vezes desejamos mais do que precisamos. Às vezes quero o mundo, quando me chega bem a vila de onde vos escrevo. Tu que me lês? És dois? Três? Dez? És um e se um fores, já tudo certo. Tudo como deve ser. Que podes fazer Andreia? Dizia a 6ª Mesa – Da crise da escrita não se pode fugir.

O moderador era o Onésimo Teotónio de Almeida contador nato de histórias e anedotas, de quem adoro LER as crónicas, na publicação que tem o nome do verbo. Quando li o tema pensei no que passo diariamente. Desde que acordo, até que adormeço, há palavras a falar-me. Vontades. Algumas anoto no caderninho verde. Outras creio ingénua guardar na memória, adiando o papel. Para mim a crise é a incompletude dos dias. Deixo para o fim desses a concretização das ideias e são em maioria aqueles em que me vou deitar derrotada. A vida é feita de escolhas. Adio(-me). Tenho sono. Dói-me o corpo. Desisto. Fácil dizerem-me “Fulano de tal fez assim. Fulano de tal fez assado. Fulano de tal fez cozido. Esses sim merecem ser bem sucedidos.” Está bem sou uma merda. Sou preguiçosa. Preciso de dormir sete horas. Assumo. Deixem que me queixe de ora em vez. Pode ser? Para os intervenientes a “crise” passou por outros domínios:

A crise da folha em branco. – Que não existe para quem trabalha. Falou-se da velha questão inspiração versus transpiração. Do Picasso que dizia que quando a inspiração chegava o encontrava a trabalhar. De crises de fígado, que são as únicas que o Sandro William Junqueira diz conhecer.

(Este moço a recitar poesia é um furacão. Editou recentemente “Um piano para cavalos altos” que me suscitou algum interesse graças a José Mário Silva e ao seu rasgado elogio à obra.)

Da crise dos pensadores que são exilados, ou se exilam, para não serem asfixiados pelos poderes vigentes. Magnífica exposição de Miguel Real. Alguém que pretendo acompanhar, de perto. Um bom homem. Parece-me. Dos que se preocupa com o estado das coisas e da Humanidade e faz o que lhe está ao alcance para mudá-los. Um daqueles que (Olha a citação!) como dizia Ghandi é a mudança que quer ver no mundo. «Nova Teoria do Mal» eis o título do senhor a adquirir.

Destaco Salgado Maranhão. Um doce. (Chocolate que adoro.) Um sorriso terno, olhar atento, a mão a estender-se espontânea, amiga. Parecia saber ao que (eu) ia. Encarava-me curioso, quase tom de incentivo.

Então? Estiveste ali? Ouviste? Estás bem?
Falou em ousadia, bom-senso, coragem para errar e, lá está, espontaneidade.

Valeria Luiselli não deixou aqui, antever, o quanto me viria a ser importante.

Estive sentada ao lado do João Rafael Dionísio. Única cara conhecida com que me cruzei durante os quatro dias. Conheço-o de lhe dizer “Olá” nas Aulas da Primavera na FCSH. Apanhei-o e teca teca teca teca toca a falar. Falar. Falar. Coitado. Desculpa Rafael. Eram muitos dias de silêncio e sou uma tagarela. Nem te deixei contar de ti. Descobri-te na net hoje. Ando a decorar um poema do O’Neill para representar às minhas companheiras da Casa Verdes Anos e apareces-me com o teu ar divertido e leve a dizê-lo. Também te vi a destruíres livros (teus) com uma motosserra. A piada é boa - “livros de bolso” - mas não haveria dor naquele acto? Espero estar enganada. És uma boa companhia. Foste generoso ao ouvir-me. À data não to disse, digo-te agora que é tarde: Obrigada.

12h30 mais coisa menos coisa, dirijo-me à casa da Juventude com o “Humilhação e Glória” fisgado. Tinha lido uma recensão ao livro, no Público, era-me imperioso ouvir falar mais sobre ele. Se pela boca da própria autora, tanto melhor. Um livro que me irá apaixonar, estou certa.

E depois Valeria. Fiquei a ouvi-la por acaso. Uma presença subtil mas assertiva. Começou a contar como viveu, dois anos atrás, a maternidade. Sentia-se animal na ordenha. Temeu pelo fim da sua vida intelectual. Arranjou uma estratégia. Integrou aquela nova parte da sua vida no romance que agora apresentava. «Rostos na multidão.» Ela dizia o que já sei. Ouvi-la foi, no entanto, um sussurro de deus. «É, ou não é, possível?» «Que é isso de teres de esperar a maioridade das crias?» «Que é isso de te adiares para a reforma, quando relógio de ponto algum te agrilhoar?» «Que porra de desculpas são essas? Que medo é esse do que fazes ser ridículo, ser em vão?» Comprei o livro para ela mo assinar, pretexto tão-só para lhe dizer: “Obrigada pelo teu testemunho. É possível. É POSSÍVEL! Assim o queira com força, ânimo e trabalho.” Ela olhava para a mulher lavada em lágrimas que tinha defronte, tremente, balbuciante, a falar-lhe num português atabalhoado impossível de compreender pelo seu espírito mexicano e escrevia o autógrafo, desconhecedora da importância daquele encontro, para aquela mãe, filha, dona de casa, funcionária pública, mulher, amiga, amante, prima, tia e escreleitora, tão desequilibrada.

Un abrazo fuerte para ti também Valeria.

(Andreia Azevedo Moreira, Carcavelos, 2012)

Etiquetas: ,


Comments: Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Website Counter
Free Counter