sexta-feira, 2 de março de 2012

 

Correntes d’Escritas 2012 – EU FUI! – Quarta parte

2ª MESA - “O fim da arte superior é libertar” - Dizia o Pessoa. Que me dê uma cólica renal se quando fiz a frase a verde sabia que o Mestre um dia disse isto.

Arranca um senhor (inseguro?) com a leitura de um lindo e trabalhado texto académico sobre o tema. Perdeu-me no primeiro parágrafo. Boring! Blergh... Outro blergh vai para todos os participantes, sem excepção, que se dedicam, com fervor, à citação. Mas que raio de ideia esta de as pessoas se suportarem no que os outros disseram, como se o que elas próprias têm para dizer não fosse suficiente. Esclareçamos uma coisa: gosto de frases que me agitam o intelecto. Gosto de as sublinhar e até decorar. Aprecio, postá-las no blogue, de vez em quando. Percebo que se colecione, na memória, ditos de outrem. Só não entendo é que vire passatempo neste tipo de encontros, ou numa simples conversa, disparar citações. Se me apanharem algum dia a fazê-lo, pelo menos que seja a citar os meus. «Já dizia a minha grande amiga.» Ou «como disse um dia minha avó.» Ou ainda, «Como gostava de proferir o Sequeira, dono do café onde passei horas da adolescência.» e por último, mas jamais nesse lugar «Como ladrava meu cão.» Declarações assim. Adiante.

Ultrapassada a enfadonha dissertação fala Care Santos. Que se lê Cárê, mas que me fez lembrar o “cuidar” do inglês. Nome bonito. Fernando Pinto do Amaral falou muito e muito bem. Ó Antunes, filho, pára lá de trabalhar para a posteridade que isso não existe. «Isto vai tudo acabar», alertou Amaral. E tem razão. De que serviu a Van Gogh a posteridade? E a Camões? A Pessoa? A Humanidade está cá para quinar. É melhor que se aproveite o agora. É tudo o que temos. O sol há-de arrefecer e o planeta vai p’ro galheiro. Os livros não serão lidos. Também relembrou que, sim, temos cérebro capaz de grandes elevações, mas também aparelho digestivo e das excreções não nos escapamos. Por isso, peneiras q.b. fazendo o favor. Sofia Marrecas de Oliveira. Luis Quintais. José Jorge Letria fecha a mesa. Estava feita. Redondo vocábulo, canção para ouvir muitas vezes, ficou-me da conversa. Não tirei apontamentos. Nota-se muito?

Foi o dia mais intensivo, com quatro mesas.

3ª MESA – A poesia é resultado de uma perfeita economia de palavras. – Constato à medida que escrevo o texto que houve caras que se me apagaram. Enquanto redijo Jaime Rocha, reviro os olhos a ver se o vejo cá dentro, em algum recanto do cérebro. Ah! Resultou. Grisalho, cabelo liso, barba branca, óculos. Acertei? Penso que sim. Lembro-me bem que gostei muito de o ouvir. Seguiu-se José Luís Barreto Guimarães autor de uma frase lida pelo moderador, Ivo Machado, que achei magnífica. (Atenção à contradição…) Escreveu um dia José Luís Barreto Guimarães, a quem passo a citar: “Há muito tempo que a chuva para cair pede licença e pousar palavras na certeza é um risco.” Foi alvo do protagonista do momento mais triste das Correntes d’Escritas. As pessoas não se apercebem como (e)s(t)ão feias e como é evidente o seu despeito, as suas frustrações. Um homem decidiu pôr à prova o poeta, que dedicara uma página em branco, ao pai falecido. Um homem berrou sibilante: “Leia o poema ao seu pai, se faz favor.” Achando-se muito inteligente, decerto. Iria desmascarar o silêncio do poeta. O poeta encarou-o e disse: “A parte pelo todo.” O auditório abraçou-o com palmas e sacudiu o veneno das costas que, entretanto, deslizara pelas escadas do auditório, perdendo volume, ficando sem voz. Seguiu-se Margarida Vale de Gato com um texto pujante de sua autoria. O anterior, contra a verborreia. Ela, assumidamente, verborreica. Cá das minhas. Honestidade. Sentimento. Visceral. Passa a palavra ao Manuel Rui. Com Manuel Rui também tive um episódio engraçado. Primeira noite (22), bar do hotel. Deia lê o livro do Camarneiro «No meu peito não cabem pássaros.» Rabisca, dobra cantos, anda para a frente e para trás, como de costume. Passa devagar, o senhor Manuel Rui, enquanto a observa à espera que a brecha, que um olhar representa, assome. Sinto o pressing. Olho. “Quem dera fosse minha leitora assim.” seguido de franca gargalhada. Ora, Deia riu-se com ele. Pensando: assim eu saiba quem és, meu bom homem. Assim eu saiba quem és. A verdade é que ele me faz lembrar um actor brasileiro. E a primeira vez que o vi o que disse interiormente foi: mas este também escreve livros? Eh pá e está tão envelhecido… Vai de maneiras que este era o Manuel Rui, escritor angolano e não o outro. Personagem encantador, digno de se lhe escrever a história, mais à família dele, gregária, um bonito clã.

Ocorreu-me agora. Será que as pessoas citam, porque como já tudo foi inventado e dito, têm receio de ao proferir uma ideia que julgam sua, serem acusadas de plágio? Fica a questão para debate posterior.

Eis que encerra a mesa com Manuel António Pina, um homem com H grande. Digo-o, não pela intervenção. Antes pela entrevista na LER de Janeiro que não devem perder. Contou uma história deliciosa do Rilke, do livro “Cartas ao jovem poeta” que partilho convosco:

- Jovem poeta: Acha, então, que devo continuar a escrever?
- Rilke: Ó homem se pode parar de escrever, aproveite!

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