segunda-feira, 17 de setembro de 2012

 

Geração C – O chão dos pardais – Dulce Maria Cardoso


A vida é fingimento. «O chão dos pardais» - Dulce Maria Cardoso (1964), Edições Asa, 2009 - acorda-nos para a terrível constatação. Não saberemos como fugir-lhe.

Alice finge que é criança habitando castelo de sonho, em conto de príncipe e princesa com o marido Afonso. Este recusa a velhice e simula juventude. Patrocina pesadelos disfarçados de histórias de encantar a jovens mulheres. Sofia é uma delas e muito bela crê que os sonhos se concretizam em hotéis de luxo, jóias caras e viagens longínquas que a levam para lugar nenhum, que não avassaladora escuridão por demais distante do seu genuíno amor, Júlio.

Manuel e Clara são os filhos a quem Alice já não sabe como demonstrar o seu amor. Díspares das «crianças louras com sardas» de outrora, imaginadas perfeitas. O primeiro perde-se nas horas em frente ao computador nutrindo romance virtual que o redime da sentença, num caso de negligência médica, que lhe pende sobre o futuro. Clara oculta, tanto quanto consegue, a paixão pela empregada Elisaveta. Foragida de Viltz conheceu a fome e o frio no corpo e finge desconhecer o «tremer bom» que a proximidade da descendente lhe provoca.

Eugénia não existe. Nasceu num quarto dos fundos qual sombra da luminosa Alice. Fadada para a serventia, para um não-lugar no país das maravilhas da patroa.

Gustavo é o biógrafo contratado para elaborar a prenda perfeita para o sexagésimo aniversário de Afonso. O grande sucesso da sua carreira fora assegurado pela biografia não real de um coronel fictício. Quem melhor para escrevê-lo(s)? Recordação ideal para uma festa preparada ao detalhe pela esposa dedicada.

Júlio deitará por terra tais aspirações. Sendo o único disposto a viver em inteireza  e uma vez ferido pela mentira, pertence àquela minoria que não teme pagar o cru e oneroso preço da(s) sua(s) verdade(s). A festa tornar-se-á memorável, todavia, não como premeditara a anfitriã.

Feita de pessoas como nós, em mentiras como as nossas, a narrativa evolui tendo como pano de fundo a morte da princesa Diana de Gales, sussurro contemporâneo da infelicidade mascarada.

Todos sabemos do desacerto entre o que somos dentro e o que fazemos fora, como o relógio do aparador na sala de Alice «que nunca conta o mesmo tempo dos outros relógios» (pág.10) e que «O tempo trabalha a favor das fraudes. É sempre preciso que alguém queira saber o que se passou. E ninguém quer.» (pág.222)

A realidade é, amiúde, insuportável.

150 BPM – Um volume imperdível de uma escritora admirável. Adquiri-lo numa pequena livraria, como a “Pó dos Livros, por exemplo. Emprestá-lo uma vez lido, para que não se quede esquecido numa estante.

PUBLICAÇÃO ORIGINAL AQUI: http://geracao-c.com/conteudo.aspx?lang=pt&id_object=12468&name=O-chao-dos-pardais-–-Dulce-Maria-Cardoso,-por-Andreia-Moreira

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