quarta-feira, 23 de abril de 2008
ONDE VAMOS MORAR

Antes de falar da peça, falar dos ARTISTAS UNIDOS. Há muito tempo que não ia ver uma peça deles. Há tanto, quanto o tempo decorrido desde o fecho do espaço A Capital no Bairro Alto. Saudades desse edifício mágico. Tantas! Não percebo o que aconteceu. Não percebo porque os enxotaram de lá. Era um local magnífico. Apesar da degradação do edifício, proporcionava-nos os ambientes perfeitos para as peças a que lá assisti. Tinham lá um livrinho com as peças levadas a cena n'A Capital e recordei com saudade tantas histórias que aplaudi com genuíno prazer: Uma solidão demasiado ruidosa; Vai vir alguém; Sonho de Outono; Ruínas; Não sei; Ruído (esta não dava lá muito jeito aplaudir, estávamos dentro da acção, mas a vontade de o fazer estava cá dentro); etc, etc, etc. É uma companhia de teatro admirável. Com baixos orçamentos, fazem verdadeiros milagres, que resultam da qualidade incalculável dos actores e dos textos que escolhem encenar. Ontem paguei cinco euros pelo bilhete. Merecia mais. Merecia muito mais e garanto que pagaria de bom grado mais por uma peça daquela qualidade. Para quando alguém (com poder de os ajudar) que olhe para o trabalho deles e o valorize? QUANDO?
E volto então à peça de ontem. O texto: soberbo. De José Maria Vieira Mendes. Complexo (muito), profundo, tocante. É engraçado porque no fim houve lugar a uma conversa com o autor e as opiniões das pessoas acerca da peça são as mais díspares, a própria intenção do autor com esta ou aquela ideia pode não ser aquela que eu recebo. E aí reside para mim a beleza da arte. A sensibilidade do autor é impressa na obra e ao deixar as suas mãos transforma-se em muitas outras sensações, tantas quantas as pessoas que a observarem, fazendo-a um pouco sua também. Tudo depende das vivências. Tudo depende da forma como encaramos o mundo e a vida. Uma coisa vos garanto, esta é uma peça de teatro que não vos deixará indiferentes.
A mim falou de identidade, fruir da vida, não deixar que o tempo se esgote de forma vã, de fantasmas que nos assombram com vivências do passado, com vivências de outros que não nós, falou-me do desespero do vazio e de como todos queremos pertencer, falou-me sobre o modo como olhamos para o futuro temendo-o, negligenciando o presente e o que (ainda) podemos fazer dele, falou-me das palavras que não dizemos, quando nos refugiamos em atitudes rudes que não dizem da nossa carência, da nossa necessidade de afecto, falou-me de gente perdida dentro de si, às voltas com os caminhos mil que se podem percorrer, falou-me de amor, de solidão, de perda, de frustração, falou-me de como nos podemos fingir demasiado ocupados quando no fundo temos medo de arriscar e tentar concretizar planos e sonhos. Falou-me de mim, falou-me de pessoas que conheço e de pessoas que não conheço. Falou-me um pouco de cada um de nós homens.
Fico encantada, de cada vez que encontro alguém tão jovem já com tanto para dizer!
Etiquetas: A NÃO PERDER, TEATRO
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