domingo, 1 de março de 2009

 

PEDRAS NEGRAS

Acabei agora de ler “Pedras negras”, o que é o mesmo que vos dizer que acabei de regressar dos Açores, em cima de um bote baleeiro. Tenho frio, sinto ainda o medo, a fome, a tristeza e o desconsolo daqueles homens. Sinto, principalmente, (todas) as perdas de Francisco Marroco. E foram tantas. Sinto também - eu que não gosto de admitir carregar em mim este tipo de sentimentos - uma raiva incomensurável pelos “outros” homens. Os que lhe fizeram a vida negra, por ser também a vida deles, uma vida repleta de escuridão. Porque no fundo não há culpados neste tipo de histórias. Há contexto(s), há desespero, há fome e ganância. Porque todos não passamos, ao fim e ao cabo, de bichos com instintos e talvez o maior e o que se sobrepõe a tudo o resto, seja o da SOBREVIVÊNCIA. E a sobrevivência é dificílima quando se vive rodeado de mar, o mar que ao mesmo tempo que amamos desesperadamente, pode ser (e é em muitos casos) o nosso pior inimigo. O mar que nos dá o pão para a boca e nos leva os seres amados. O mar que nos pode levar (mais) longe, em busca de uma melhor vida, ou nos encarcera numa ilha. Claustrofobia. O mar belo mas também impiedoso. E por tudo isto, o que à partida me poderia magoar, o relato da pesca às baleias – uma baleia pode demorar até oito horas a morrer desde que é atingida fatalmente. Sofre horrores, é uma carnificina indescritível e eu, desde pequena, sofro mais pelos animais do que pelas pessoas (talvez seja um defeito do meu carácter, não sei.) - é-me perfeitamente concebível.

(Marinho, alertaste-me, disseste-me que não ia gostar mas afirmo-te agora que o li, que compreendo embora sofra, pelas baleias que morrem de maneira cruel. Compreendo o povo. A necessidade. A tentativa de viver do que o mar lhes dá. Sei que era/é (um mal) absolutamente necessário. Sei que era a sobrevivência de todo um povo que estava em jogo).

A maldade e a mesquinhez humanas revoltam-me. Sei que existem e existirão sempre e ainda assim, sofro sempre de cada vez que o constato. Sanguessugas humanas em redor do homem que “deu o salto” (sair da ilha), interesseiros, palmadinhas nas costas ao “Americano” a nausearem-me e a vontade de lhes gritar, a estas personagens (pessoas que existiram com toda a certeza, sob outros nomes, com pormenores diferentes, mas das quais adivinhamos a essência no belíssimo relato de Dias de Melo) com mais de 40 anos de existência. “Parem com isso! Que nojo. Que vergonha!”

E o Francisco Marroco, um homem bom, um homem que sonhou e fez por concretizar, penou, lutou, desabou, reergueu-se e amou intensamente, a sua terra e os seus, a quem jamais esqueceu. Ganhou algum, embora pouco, muito pouco para os abutres que o aguardavam na ilha. Viveu o seu romance de menino e quis para os filhos o que não conseguiu para si. Foi derrotado pela pequenez dos homens e pela grandeza impiedosa da natureza que não se compadece, muitas vezes, dos homens bons, castigando-os como aos outros.

Um livro apaixonante que nos aproxima um pouco do que é ser ilhéu. Da angústia entre o amor que se tem à terra mãe e a vontade de partir na mira de um futuro menos penoso.

She blows!

Um abraço Francisco Marroco, João Peixe-Rei (que te perdeste logo ao início), outro a ti Dias de Melo pela dádiva que este livro constitui.

Marinho: OBRIGADA. (Mais do que pelo livro, pela dedicatória.)

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Comments:
Nós aqui na editora estamos muito entusiasmados com o livro, sei lá!
 
Ai que ainda és despedido. :)

Eu por mim, prometo que não uso este texto em mai'lado nenhum. Prometo. Cruzes canhoto que eu seja ceguinha se uso isto em mais algum lado. Nem pensar. Sou uma mulher séria. Muito séria e à pala disso lixo-me é o que é.

Bjs PM
 
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