quarta-feira, 7 de abril de 2010

 

A GERAÇÃO-C, eu e "A máquina de fazer espanhóis" do valter

Texto escrito para a área "Cultura e Lazer" do site Geração-C.

“A máquina de fazer espanhóis” é futuro na medida em que nos faz viajar no tempo. Eis que me vi com 82 anos internada no Feliz Idade. Assoma-se-nos como desolador o destino de uma vida longa. É, todavia, muito mais do que definhar e pode encerrar intensas emoções e um imenso sentido de validade, embora pareça resumir-se a uma agoniante espera. Estive entre os velhos. O cheiro a morte pairava sobre todos e a vista para o cemitério segredava-nos: “Falta pouco para seres tu aqui, para sempre”. Aterrada constatei que a lesta mobilidade de outrora já pretérito; que me havia morrido gente sem a qual o ar se me rarefazia nos pulmões e que os novos me tratavam como se não lhes merecesse toda a atenção. Como se tonta e nada do que viesse a dizer contivesse, para eles, qualquer sentido. Falavam-me como às crianças, a quem tudo falta aprender, o que me revoltou deveras. Quis impor-me. Porém, a força do corpo não correspondia à do pensamento e assim me resignei à velhice. Deixei-me levar, a cabeça desistente sobre o ombro, a boca aberta como quem vai para dizer alguma coisa e se esqueceu, ou achou que não valia a pena partilhar, restando o movimento em suspenso.

Fui-me sentando pelos cantos da minha incapacidade, sempre perto dos heróis para não perder pitada da trama. Aprendi tanto com eles. Envergonhei-me, outro tanto, por todos quantos ainda lá não chegados se comportam de forma negligente, esquecendo-se que, fatalmente, um dia aí se encontrarão. Só Américo (um auxiliar) os via deveras - Quero dizer: via para além do corpo em decadência. - e os tratava como a amigos. Afeiçoei-me àqueles cinco magníficos, tomando como minhas as suas dores: António Silva, Silva da Europa, Pereira, Anísio Franco e Esteves sem metafísica. - O homem que sobreviveu ao passado, para trazer ao presente dos restantes o enlevo que lhes faltava para que desejassem persistir na existência. - Encantei-me com a enorme riqueza de todas as pessoas a quem o autor dotou de tanta vida, não obstante estarem tão perto do fim.

Personagens deliciosas como Leopoldina a mulher que coça o rabo, para afrontar os “colegas”, enquanto berra “Viva o Porto”, clube do futebolista peruano que a livrara da virgindade. Dona Marta a mulher que não quer conceber a traição e que alimenta um amor ingénuo, devota ao homem que a abandonara ali. D. Glória do linho que, nessa idade improvável, vive o seu primeiro amor. Enrique o português de Badajoz e Medeiros, o homem vegetal que parece conhecer os meandros da geringonça de criar espanhóis.

valter hugo mãe (1971) é magistral no seu ofício. As sensações que provoca, com a sua escrita singela e poética, são físicas. Ri-me às gargalhadas, inúmeras vezes, envolta em ternura. Também chorei, abraçada à angústia. Intuí nas entranhas como há-de ser achar-me velha. Este escritor é de um talento arrebatador e ensinou-me bastante sobre os significados da palavra humanidade.

P.S. Não consigo destacar-vos uma citação. Tenho o livro todo sublinhado. Não percam mais tempo comigo, vão lê-lo.

195 BPM – Inesquecível. A adquirir. Oferecer a um Amigo.

Etiquetas: , , ,


Comments: Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Website Counter
Free Counter