quarta-feira, 16 de junho de 2010

 

MYRA comoveu-me cá de uma maneira que não tenho conseguido pegar, com mãos de ler, noutro livro (pá)

Myra arrebatou-me. Agarrou-me firme pelo braço e levou-me para dentro do livro, de onde ainda não consegui sair e já passaram alguns dias, desde que o terminei. Não fosse conveniente falar-vos um pouco mais sobre a dolorosa viagem que fiz com Myra – a admirável imigrante adolescente - e Rambo – o cão “assassino” mais humano que já conheci. – e defini-la-ia numa palavra: HOMBRIDADE.

Esta obra que Maria Velho da Costa (1938) nos lega é um tratado à força que um carácter pode encerrar. (Inata. Desmedida. Invencível.) Àqueles espíritos indomáveis que nos ensinam ser possível não vergar, independentemente das circunstâncias em que nascemos, ou que a vida (o acaso) nos permite.

Confrontamo-nos com uma escrita repleta de beleza que vos não consigo transmitir nestas parcas palavras, pelo menos jamais do mesmo modo que a autora o faz: Sublimemente. Não desmotivem ante o léxico, não raras vezes, complexo. Enriquecerão decerto. Ouçam a melodia encantatória dos seus parágrafos, que vos conduzirão docemente na tragédia e dancem a coreografia de um destino inevitável.

No decorrer da narrativa do disforme emerge o belo. Da mais desconsolante indiferença o bem-querer. De uma besta pode chegar o amor em estado puro, incondicional. (O raciocínio mais lúcido, até.) Da condenação advir a liberdade. Da fealdade dos homens aproveita a “nossa” menina-mulher a beleza que há na literatura e no saber. Chama carinhosamente Rambô ao cão, aludindo a um escritor que admira (Rimbaud). O assombro é constante enquanto devoramos estas 221 páginas.

Acima de tudo trata-se de uma busca pelo sentimento de pertença. Não conseguindo alcançar o que almeja, a heroína prosseguirá sempre, resoluta. Assim se ligou ao pitbull terrier que encontrara ferido numa cabana de praia, após luta de morte vencida, aquando do início da demanda. E assim cruzará o caminho de inúmeras personagens como Dona Mafalda – a rude pintora que a subestima; Frei Bento – o clérigo liberal que lhe oferece uma boleia; Alonso o cego que vê; ou enfim Gabriel Rolando, o mutilado que lhe ensinará que a sua morada pode encontrar-se muito distante do ponto cardeal que perseguia obstinada (Leste), e nessa falar-se língua universal, díspar da que falava sua avó (russo) - único ponto de referência da sua vida feita, até então, de perdas.

Diz Myra no princípio de tudo:

“A minha vida não é igual às outras, Rambô. Fui proibida de existir. Roubada de poder ser.”

Pudera eu dizer-lhe: Enganas-te. Existes deveras e com maior pujança que muitos de nós afortunados desconhecendo a que sabe uma vida vivida com a coluna vertebral incólume.

195 BPM – O livro arrancou-me à realidade, fez-me entrar dentro da história e ia-me provocando um ataque cardíaco de tanta comoção. Inesquecível. Destaque para as ilustrações de Ilda David. A adquirir. Sugerir a leitura.

PUBLICADO AQUI

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Comments:
OBRIGADA mais uma vez p0ela sugestão! É lindo! :)
 
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