sexta-feira, 26 de novembro de 2010

 

Somos o que mostramos? Mostramos o que somos? Nem uma nem outra?


Um livro que nos obriga a pensar sobre isso AQUI.

Vivemos na era das redes sociais. As relações afiguram-se-nos fáceis de estabelecer com cliques. Rostos estáticos, embora alegres, debitam piadas e curiosidades ao longo dos dias almejando polegares para cima. “Gostem de mim.”: É ao que nos resumimos. Desconfio dessas redes. Quão densas podem ser amizades, amores ou paixões mediados por ecrãs? Asseguramos que algumas dessas pessoas nos quer bem, de facto?

As preocupações de Gregor Samsa incidiam, somente, nas pessoas reais das quais se compunha a sua existência. Concentrava-se abnegado em suprir as necessidades dos seus e provê-los de comodidades fruto do seu rotineiro trabalho como vendedor. Abdicava quotidianamente das suas aspirações e calava os seus anseios em nome do bem-estar comum. Eis que certo dia acorda convertido em aberrante insecto. Permanecia, na sua essência, o mesmo. Ao acordar os pensamentos eram os seus, a forma de sentir semelhante, a aversão em levantar cedo e partir para mais um dia de burocrático trabalho igual à do dia anterior. Porém, o seu aspecto alterara-se de forma devastadora e irremediável.

Nem por um instante aqueles em função de quem Gregor se movera a vida toda dele se compadeceram. A apreensão de cada um dirigiu-se imediata e instintivamente às questões de como aquela desgraça os iria afectar. Primeiro faltar-lhes-ia a forma de sustento, visto que ele constituía o principal ganha-pão da família; depois a liberdade, dado que se encontravam prisioneiros de terrível segredo, que mais do que os comover – Que seria do seu filho / irmão? – os envergonhava.

É com assombro que se acompanha a narrativa desta(s) metamorfose(s). Não me provocaram asco as descrições do novo corpo forrado a quitina de Samsa. O que me causou genuína náusea foi a mutação ocorrida nos restantes membros da família. É com ligeireza que pais e irmã o descartam, no momento em que perde a utilidade de outrora. É com um sentido prático agressor que os percebemos a ignorar o tanto que aquela pessoa fizera por eles até ao fatídico acontecimento, limitando-se a tentar descortinar como “limpar” a situação. É com horror que nos apercebemos que poderá chegar o dia em que agiremos conforme.

Este livro é um excelente exercício de reflexão. Quem estimamos? As pessoas pelo que são deveras, ou pelo que aparentam? Andaremos a ser verdadeiros nos nossos afectos, ou não nos atrevemos além da pele? Somos capazes de gostar do todo, ou, artificiais, ficamo-nos pela(s) superfície(s)?

Franz Kafka (1883 - 1924) escreveu este livro com apenas 29 anos (1912) e não tinha, claro está, facebook. Já sabia, todavia, de toda a fealdade de que o Homem é capaz, ainda que a dissimule com sorrisos bonitos e impostoras “boas intenções”. Falou-nos disso. Cabe-nos decidir que tipo de mutante queremos ser.

150 BPM – Não consegui parar de ler o livro enquanto não o acabei. A história colou-se a mim. A adquirir. Sugerir a leitura.

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Comments:
Uau! belo texto!
 
Fosgasse obrigada Van!
 
o teu texto faz-me querer ler o livro e vencer a preguiça que o nome kafka me dá. é portanto um texto muito bom porque a preguiça era muita :)
beijinhos
 
Temos de vencer os nossos preconceitos! :) (aquele dos velhos e das velhas com novos/as/os/as é que não sei se algum dia serei capaz. eh eh eh eh.
 
P.S. OBRIGADA BZUZINHA!
 
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