sábado, 25 de agosto de 2012
Rostos na multidão – Valeria Luiselli - Geração C
«Agora escrevo à noite, quando as duas crianças estão a dormir (…) Antes escrevia todo o tempo, a qualquer hora, porque o meu corpo me pertencia. As minhas pernas eram compridas, fortes e magras. Era lógico oferecê-las; a quem quer que fosse, à escrita. (…) Um romance silencioso, para não acordar as crianças.» (Pág. 13)
A narradora sem nome entremeia passado(s) e presente, relatando-nos como enquanto tradutora de uma editora pequena trouxe à estampa, com ardil, a obra de um escritor que a assombrava no metro. Gilberto Owen - Poeta mexicano - habitava, como ela, Harlem, nos anos vinte. Tomará, igualmente, o seu lugar na narração. É em simultâneo que visitamos a pretérita existência do escriba; o conturbado contexto familiar da escritora e lhe conhecemos as emoções antes dos filhos e do marido. Três tempos para eles. Para nós somente um, encantatório. As realidades misturam-se nos mesmos espaços. O filho mais velho consegue ver Owen (?), chamando-lhe comsemcara. O romance constrói-se dentro de si mesmo.
«Gerar uma estrutura cheia de buracos para que seja sempre possível chegar à página, habitá-la. Nunca meter mais da conta, nunca estofar, nunca mobilar, nem adornar. Abrir portas, janelas. Erguer muros e derrubá-los.» (Pág. 20)
Onde começa a ficção? Quem se defronta com a dificuldade em escrever (um)a novela, fazê-la viver em páginas relevantes? As ténues fronteiras confundem-nos. Owen perdia peso. Atestava-o a cada nova pesagem. Cria desintegrar-se embora ao espelho tudo na mesma. O casamento dela entra em falência. Perdendo peso também. Vazio(s) onde antes amor, gestos quentes, partilha(s). As histórias escrevem-se ora paralelas, ora intersecções. E nós assombrados.
Permanecerão connosco as vozes; os fantasmas deles, feitos nossos, “rostos” inesquecíveis na multidão.
150 BPM – Magnífica estreia. Escrita a acompanhar. Sugerir a leitura.
Publicação original AQUI.
Etiquetas: ESCRELER, Escritoras, GERAÇÃO-C, LEITURAS, Sugestões
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