terça-feira, 10 de novembro de 2009

 

TPC para mim e para os que, entre vocês, tiverem paciência para ler. (Agradecida)

DECLARAÇÕES:

1) Fiz batota. Demorei muito mais do que 25 minutos. E revi. Apaguei. Corrigi. And so on.

2) Não fiquei satisfeita com isto.

- Alice, vem deitar-te. - Era a quarta vez que Frederik a chamava e o tom, outrora paciente, fora substituído por um que denotava já alguma irritação com a atitude da mulher.

Alice Farlow vomitava as entranhas. Quatro e meia da madrugada e premia, ainda, freneticamente as teclas do computador, convicta que em seguida se sentiria aliviada.

- Já vou querido. Está quase. Uma palavra mais e termino.
- Uma palavra... - bufou Frederik. Enterrou-se nos lençóis, preparando-se para dormir. Desde que a mulher engravidara pouco mais havia a fazer a seu lado, na cama, do que dormir. Cansara-se da procura frustrada. Sabia que era apenas uma fase e de momento, apesar de subtil, Alice era implacável na recusa.
Alice escrevera a palavra "Vazio" e regressara à cama como era hábito, pouco tempo antes do despertador tocar.

Frederik acusava já a respiração pesada quando ela, antes de se deitar a seu lado, o beijou ternamente colocando-se, em seguida, de barriga para cima, com as mãos sobrepostas em cima do peito.

Sentia-se inquieta afinal. Não lhe fora benigna a escrita, como esperava. Continuava como em todos os restantes momentos da sua vida: aflita.

Não admitia ser doente aos outros. - E nesse grupo "os outros", exterior e independente de si, incluía o marido. – Porém, sabia sê-lo. Contribuíra para o seu autodiagnóstico a formação em medicina, que não a deixava iludir-se. Padecia de hipergrafia. Desconhecia, no entanto, que tudo o que escrevia era desprovido de significado e que, de facto, era totalmente vão o seu esforço, pois ideia alguma era transmitida nessa catarse.

Dessa ignorância alimentava o seu desassossego, crente que o resultado seria nada menos que a frase perfeita. Aquela que, embora não sendo bela, seria, no mínimo, reveladora.

Fitava o escuro, por cima de si e à sua volta, os pensamentos sucedendo-se ininterruptamente:

É isto a vida sem palavras: Escuridão.

Amo Frederik, mas se não lho pudesse dizer... Se não lhe pudesse sussurrar "AMO-TE" enquanto lhe lambo o lóbulo da orelha antes de fodermos, seria como se não o amasse de todo. (Pobres dos mudos.) Foi para isso que deram ao Homem a capacidade de falar. Que os bichos se amem sem proferir palavra? Aceito. Mas é para mim, enquanto fêmea desta espécie, inconcebível fazê-lo.

Frederik olhar-me-ia indignado, com repulsa até, se suspeitasse que quando faço amor com ele, estou simplesmente a foder. Foder. Eis uma palavra com força. Nela se encerra toda a pujança do acto. Se disser "fazer amor" diluo por duas palavras o que, para mim, é uma só, repleta de solidez: foder. Não a considero vulgar, nem tão pouco indecorosa. Simplesmente intensa. Mas talvez Frederik não me possa entender e por isso, por ele, lhe digo, quando digo, "faz amor comigo".

Com as putas, que ele procura amiúde, e das quais julga que desconheço a existência, esperaria tudo menos um: "Faz amor comigo." Comigo só espera isso. Como é doce e ingénuo este meu homem.

Pois se somos animais - E simula escrever com o dedo esquerdo no ar "animais", fechando os olhos com força, como numa prece, para memorizar a palavra que daí a umas horas anotará onde calhar. São essas preocupações que a impedem de dormir a maior parte das noites. Palavras desgarradas que não pode, de forma alguma, esquecer ou deixar de registar, assim que lhe seja possível. Habituou-se à insónia, embora tema estar a prejudicar os seus fetos. - e apenas nos afastamos da irracionalidade porque existem as palavras e com essas criámos uma linguagem nossa. É no momento em que essa espécie de luta, corpo a corpo, se dá, que as palavras e a racionalidade são olvidadas e somos somente duas criaturas movidas pelo instinto. Nesses momentos, só há carne, sangue, violência, dor e prazer. E nisso, todos somos semelhantes. Julga-me melhor que as putas que compra, o meu bom Frederik. Julga-me impoluta e branda. E eu como ele, como elas, naquele momento, apenas um sedento animal. -Desenha "sedento" na barriga. - Sedento. Juntar sedento a animais. Acrescentar a palavra putas e a essas, ingenuidade. Será que me vou esquecer? Não me posso esquecer: animais, sedento, putas, ingenuidade, Frederik, Alice, escuridão, palavras, foder. Talvez fosse melhor levantar-me. Saio daqui sem o acordar, escrevo num instante estas preciosidades e volto. Durmo ainda algumas horas. Duas talvez. Horas. Acrescentar horas! Nada disto é importante, se numa palavra havia dito tudo. Preciso dormir.

Alice contorcia-se de ânsia, o estômago transido pela náusea que a angústia lhe agrilhoara à garganta. Levantar-se-ia mais uma vez nessa noite, com cuidado desmedido para não acordar o companheiro e escreveria, enquanto o suor da urgência pingava sobre a mesa da cozinha, as tiranas palavras.

Estando grávida de gémeos a psicose piorara assustadoramente. Já não se tratava apenas de noites em branco em frente ao computador. Escrevia em todo o lado. No pacote de açúcar, depois de o esvaziar no galão; no interior da sua bata branca de médica, totalmente escrevinhado; o papel higiénico enquanto sentada na sanita, repleto de palavras. Chegara a dar-se o caso de, não tendo quantidade de papel suficiente para escrever e se limpar, ter optado por escrever, desdenhando as consequências de semelhante opção.

Toda a sua roupa tinha bolsos e nesses havia sempre, pelo menos, duas esferográficas. Admitia a falha de tudo o resto, menos do veículo do seu génio. Inconcebível, não apontar os pensamentos brilhantes e profundíssimos que cria ter formulado, aquando da escrita dos vocábulos.

Frederik andava há anos a alertá-la que tudo o que fazia era escrever palavras incoerentes. Que nada daquilo prestava. Que era insano o seu comportamento. Fazia-o de forma quase cruel para que ela o ouvisse. Procurava poupá-la ao sofrimento de o ouvir por outrem. Alguém que não a quisesse tanto quanto ele.

- Canaliza essa energia desregrada para outros fins Alice! Procura outra ocupação que te realize e onde possas ser efectivamente boa. - Agora que ela ia ser mãe estava certo que o faria com rigor e exemplarmente. Seria uma excelente mãe, para os seus filhos, disso não lhe restavam dúvidas. Tentava então mostrar-lhe o que via com nitidez. - Porque não te dedicas ao quarto dos bebés? Ainda não te vi fazer nada em prol da sua vinda. Arranja o quarto, decora-o como quiseres. Compra roupinhas para eles. Sê como as outras mulheres Alice. Sê como as outras! Não compliques. E se quiseres, meu amor, conta-me as tuas ideias e eu escrevo por ti e para ti, aquilo que quiseste dizer todo este tempo e não foste capaz. Nunca passarás de uma escritora deploravelmente medíocre, e é para teu bem que to digo.

Alice arrogante e agressiva fazia pouco dele, nessas alturas. Em tom jocoso humilhava-o com palavras geladas dizendo-lhe que o que separava o êxito dele, da ausência do dela, era um órgão reprodutor, destinado à queda, ao fracasso.

Não tinha, efectivamente, consciência da sua inépcia para o ofício que acreditava aprimorar de cada vez que empunhava uma caneta ou digitava no computador.

Era deveras doloroso para o marido perceber que a mulher não acreditava em si, julgando-o, injustamente, despeitado.

Desesperado dissera-lhe que desse a ler os seus escritos a terceiros, para que esses, isentos, lhe repetissem o que tentava provar-lhe há anos.

- Só quando os passar a limpo. - Retorquia. - Não tenho tido tempo.
- Hipergrafia, Alice. Já o estudaste, sabes o que é. Hipergrafia. Acorda! Cura-te Lili. Por favor ouve-me.

Alice sabia o que era, porém ignorava que da doença nada se produzia a não ser a perene dor.

- Estou no limite. Ouves? No limite, porra! - Gritava-lhe quando o desânimo era superior ao amor. - Como é que pretendes criar o Eddward e o Kurt, dizes-me?

Ela parava e olhava o ventre desmesuradamente proeminente, acusando o término da gestação.

Haverá momentos só meus. Como hoje. Assim continuará a ser. Não serás tu a privar-me desses, não serão os gémeos também.

Frederik atormentava-se com o futuro que adivinhava tortuoso dada a crescente irascibilidade da mulher. Era penoso dizer-lhe que ela enquanto escritora não prestava, era como se lho dissessem acerca de si e da sua obra. Mas era preciso que se apercebesse da sua loucura e para que a vida pudesse ter um rumo autêntico. Alice era infantil a exprimir-se, dava erros ortográficos e gramaticais gravíssimos e inadmissíveis para as aspirações que alimentava. Escrevia febril e ele chorava sozinho e desconsolado o seu infortúnio. Esgotara os argumentos dissuasores.

Nessa manhã viu-a despir-se para tomar banho. Escondera-lhe os lápis de cera com que era hábito escrever nos azulejos. Esperava ouvir-lhe os gritos exasperados, as reclamações repletas de raiva, os impropérios. Nada.

Durante vinte minutos o silêncio fora ensurdecedor. Não fosse a água, continuar a cair irregularmente, interrompida pelo corpo de Alice e respectivos movimentos e Frederik julgar-se-ia só em casa.

Sentou-se sobre o tampo fechado da sanita verde, encarando o cortinado opaco com os olhos mortiços. Não ousou chamá-la, limitando-se a aguardar. Pela primeira vez tinha agido de maneira concreta para a impedir do delírio. Iniciara nesse dia a oposição derradeira. Não mais seria benevolente ou permissivo. Era porque a amava que agia assim.

Alice abre a cortina e como invariável e instintivamente o marido observa-lhe os seios antes de lhe perceber qualquer outra parte do corpo.

Horrorizado constata-a raiada de sangue. Alice havia utilizado a lâmina da gillette com que se depilava para escrever na barriga.

(HELP)

(Maybe to be continued, or maybe not.)

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Comments:
Bom dia Andreia.
Ler isto, provocou-me ansiedade, isto é, de saber como se desenrola.
Obrigada por partilhares.
 
OBRIGADA EU POR LERES! Muito e muito obrigada! beijinhos.
 
Ena! tá Bom pá! Que dureza!

Qual era mesmo o exercicio?
Escrever durante 25 minutos sem rever nem voltar atraz?

Beiji
 
Fosgasse moitinha cheio de exclamações e quê, é porque gostaste mesmo! Obrigada por mo dizeres AMIGO!

Era assim: sabíamos que havia esta Alice Marlow e o seu marido Frederik. Sabíamos que ela padecia de hipergrafia e que estava grávida de gémeos. Sabíamos que ela escrevia em tudo o que apanhava à mão (foram-nos indicados os suportes: papel higiénico; lápis de cera na banheira, etc.) Sabíamos que o marido a tentava alertar para o facto do que ela fazia não ser "arte" como ela pensava que seria. E tínhamos de descrever a história de amor deles em 25 minutos na "aula". Como não houve tempo "fizeo" em casa. Ora, porque é que não fiquei satisfeita? Porque não correspondi ao que foi pedido. Limitei-me a dar um relance da vida deles. Não os caracterizei profundamente, nem como se conheceram, nem como viviam, entre outras coisas que podia ter explorado. Foi como se apanhasse apenas um momento da vida deles e não a vida toda / percurso. E acaba por ser batota porque com a pressão da aula nunca conseguiria ter explorado a situação como o fiz em casa, com possibilidade de melhorar, corrigir, aperceber-me das falhas, etc. Mas pronto, não vou dizer que não gosto, porque gosto muito. E fico feliz que além de mim outros tb gostem.

Um gda beijinho.
 
amiga ja to tinha dito...mas escrevo-o: está muito poderoso! tem aqui umas quantas ideias duras e cruas mas muito reais, muito quotidianas. e quero lá saber se demoraste 25 ou 250 minutos ou que fizeste batota em casa...só sei que adorei o resultado! :)
beijos muitos
 
P.S. Ó moita ainda mais grave... Fui ler o enunciado e afinal ela já tinha dado à luz os putos e eu pu-la ainda grávida. eh eh eh. Pronto 'tá visto que é um suficiente fraquinho. hi hihi. (A fingir que me tinham dito que ela estava à espera de gémeos. Assim é que se vê que sou 'nhurra. Lá pus na cabeça que a senhora estava grávida e nada de reler o enunciado.) + bjitos.

Ó Bzuzinha eu sei que tu pensas que eu penso, que tu pensas que eu pensei, que por sermos tão amigas a tua opinião é mais pelo "amor" que me tens do que por gostares efectivamente de me ler independentemente desse. Em todo o caso te reafirmo que é mesmo muito importante saber que me lês e que me gostas nesta faceta e que isso constitui grande suporte nos dias de desânimo. E se for assim a vida toda é muito bom e já terá valido a pena. Obrigada por estares desse lado. bjinhos e 'té sábadabadooooooo.
 
Cara Andreia,
Descobri o seu texto por acaso e não resisto a deixar um comentário. Com ou sem batota, adorei este seu final, que achei poderosíssimo! Entrei no ritmo do texto e confesso que não senti essa falta da caracterização exaustiva das personagens que o tal enunciado pedia. Estava lá a outra caracterização, aquela que é feita pelos pensamentos, palavras e acções das personagens. Para mim, foi mais do que suficiente para sorver a história até ao fim. Mas isto é apenas a minha opinião de leitora compulsiva.
Saudações do outro lado do Tejo!
 
Lídia não imagina a felicidade com que me presenteou neste comentário. MUITO OBRIGADA por não ter resistido! É muito importante para mim saber de si e de todos os que param para me ler. Fico contente da primeira impressão ter sido boa. E cá continuarei, umas vezes melhor, outras pior, outras uma desgraça, mas continuarei. Obrigada mais uma vez. Um abraço.
 
tu que tens a mania que sabes tudo..que pensas que gosto de te ler pelo amor que te tenho...ora toma lá um comentario de uma ilha interna a dizer exactamente o mesmo que eu, que não ligou nenhuma à batota e que gostou simplesmente do final e que o achou poderossisimo. ah e tal e ela não é tua amiga!

Toma, embrulha e manda para a Terra!!!!

:D

beijos
 
eh eh eh eh eh eh eh. Está embrulhadinho, mando em correio azul à hora do almoço, depois de te ver. :)
 
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