quarta-feira, 20 de abril de 2011

 

Texto criado para o blogue do ALA que entretanto se finou (o blogue, não o senhor graças a deus)

Sábado, 4 de Setembro de 2010

As piscinas com pé do ALA
 
Quando leio sublinho. Há uns dias, na praia, uma menina à minha frente lia. Dizia o texto em surdina enquanto o percorria com os dedos, como quem tacteia para reter nas mãos o que os olhos lêem. O meu palpar é a carvão. Frase que me enleie, impedindo-me de prosseguir na leitura, é feita refém. Viro o feitiço contra o feiticeiro, assim que me asseguro que já não a perco. - Um pavor de esquecer as ideias tão boas que me chegam ao entendimento. - Ainda que muitos anos decorram, folhearei o(s) livro(s) com a certeza que recupero as preciosidades aí encontradas. Assim tenho enriquecido.

Quem costumo sublinhar obstinada? António Lobo Antunes, pois. Esse homem capaz das mais definitivas frases - “Não se desce vivo de uma cruz.” - que nos soam ao mais belo poema. Haverá alguém apto a responder-lhe depois de tamanha sentença? Duvido. Nada podemos acrescentar. Já está lá tudo. Limitemo-nos a ler. Sentir. Agradecer tamanho privilégio. O António mostra como é. Nós, com sorte, conseguimos ver.

Ler os livros do ALA é como entrar no mar com a bandeira vermelha. Desconhecemos se regressamos com vida. Arriscamos, ainda assim. Ele sabe disso. Talvez por isso tenha afirmado um dia* que as narrativas que publica na Visão são como piscinas para crianças, porque não se perde o pé. É certo que não, António. Não me afogo, como no oceano revolto dos seus livros, antes chapinho qual catraia inteira. Sou tão feliz nessas suas águas paradas, contudo, tão limpas. Às vezes, tenho de deitar fora as revistas e passo horas salvando-lhe as crónicas. Estão ali à mão de reler.

Esta semana guardo mais uma: “JANJÃO” (Visão n.º 913) a qual clamo aos leitores deste blogue que se apressem a ler. Não a sublinho. Arranco-a, dobro-a em quatro e conservo-a junto ao peito. É maravilhosa. Lá me encontrei e àquele que me morreu sem que o seu corpo tenha perecido. Revisitei o perdão em cada palavra. Permaneço de joelhos no chão e com o rabo nos calcanhares mirando-vos - A si e ao seu Janjão no divã. - comovida, desde esta manhã em que vos v(l)i.

“Claro que herdei alguma coisa dele: a solidão feroz, a capacidade de ser horrivelmente desagradável com os outros, os caprichos não tão incompreensíveis quanto isso, apenas defensivos, a agressividade injusta, o receio que me toquem demasiado fundo e fique tão sem pele, tão vulnerável, tão à mercê dos outros.” (Pág.11 – Visão n.º 913)

Se soubesse quantos de nós (e somos tantos) buscamos ávidos estas crónicas, jamais ponderaria abandonar-nos. Deve-nos essa parte de si. A simplicidade. A beleza. A honestidade com que escreve. Deus, se Existe, não lhe deu este ofício à toa. Cumpra o seu dever, António. Construa-nos piscinas com pé o resto da vida.

(Obrigada.)
Andreia Azevedo Moreira.

* Café com letras, na biblioteca de Oeiras, em 29 de Outubro de 2008.

Etiquetas: , , ,


Comments: Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Website Counter
Free Counter